Novo Restaurante Natureba

ovo quebrado

Juro que não fico escutando conversa alheia. Mas não tive como evitar.

Estava com a Alice em um restaurante novo, pseudossofisticado, meio lanchonete, do tipo saudável-fitness que traz no cardápio as propriedades nutricionais dos alimentos; do tipo que o dono acha que basta abrir as portas e está tudo certo. Treinamento de funcionários pra quê? Ainda mais quando o local tem um proposta específica, que é atender um público que busca um tipo de alimentação, digamos, chatinha de vender, pra que treinar seu pessoal, não é mesmo? Sabe funcionário que não entende que ele representa a empresa (ou deveria representar) e não que são duas coisas diferentes?

Entra um brutamontes, malhado (ou gordo, não identifiquei). Senta na mesa atrás da gente, olha o cardápio e conversa, com voz grossa, de macho, com o garçom.

— Quantos ovos vem neste omelete?
— Puxa, acho que uns dois.
— Dá pra fazer ele com mais duas claras?
— Hmmm… Vou ter que ver na cozinha.

(…)

— Infelizmente, não, senhor?
—Por quê?
— Não sei bem. Me disseram que não podem porque não sabem como cobrar…
— Mas tinha que poder, não?
— Eu acho que, sim. Tinha. Mas…
— No concorrente de vocês ali dobrando (falou o nome do lugar), eles fazem.
— Pois é. Tinham que fazer aqui, mas os donos não disseram nada pra gente sobre isso.
— E lá eles nem cobram a mais. Eu peço com seis ovos e não ficam me cobrando o ovo.
— Pois é.
— “Ovo”! Vão me cobrar um ovo? Não, né?
— É. Não… Um ovo…
— Porque assim… O cara às vezes tem que perder peso rápido, pra uma luta. E aí tem que comer o troço certo. E aí o restaurante tem que fazer.
— É… É… Imagina…
— Deveria ter as calorias aqui, não?
— Sim, eu já falei pra eles… Mas os nutricionistas ainda não calcularam.
— Mas tinha que ter.
— Mas tem as corzinhas no cardápio, dizendo se é proteína, carboidrato, o senhor viu?
— O vermelho é proteína?
— É.

(…)

— Tá, me diz como é essa tapioca. Nunca comi tapioca.
— Ah, é com farinha de tapioca e…
— Tá, mais é boa?
— É… É boa.
— Tu já comeu? Gostou?
— É boa, sim.
— Tá.
— O senhor vai querer?
— Me traz o omelete de vocês mesmo, porque eu tô morrendo de fome, depois eu vejo essa tapioca.

(…)

— Senhor, seu omelete e seu suco…
— Pode mandar fazer a tapioca.
— Tá bem. Mas pode deixar, eu vou falar com os donos, para resolverem essas coisas que estão erradas… Não pode ser assim.
— É.
— Tá errado.
— (arrut)

Sim, o cliente acabou soltando um arroto que todo lugar ouviu. Claro que nem se desculpou.

 

Um Limão, Meio Limão, Dois Limões, Meio Limão…

limãoNão sou dessas pessoas que chegam em restaurantes e ficam pedindo para mudarem os pratos — “tira a cebola”; “não gosto de pimentão”; “pode trocar o molho branco por de tomate?”. O que tem no cardápio é o que o lugar faz bem feito; é aquilo que desenvolveram para te servir com perfeição. Bom… Essa é a teoria. Eu gosto de fingir que é assim e respeitá-la.

Só que, de repente, me pego dando uma de cliente chato. Tenho tomado limonada sem açúcar compulsivamente. Tipo mulher grávida, sabe? Então, quando peço as bebidas ao garçom, pergunto:

— Vocês têm limonada?
— Não.
— E suco de limão? — só para garantir.
— Também não.
— Tem limão?
— Tem.
— Tem água?
— Tem.
— Então, pode me trazer uma água sem gás e um limão inteiro?
— Claro que sim.
— Muito obrigado.

O problema é que até hoje, em cerca de 15 estabelecimentos a que fui depois do início dessa minha nova tara, nenhum conseguiu me trazer de primeira o que eu queria. O mais comum é trazerem os limões em fatias ou em canoinhas, que é como eles geralmente têm pré-prontos para colocarem nos copos. Um dia um “moço”, extremamente solícito e simpático, perguntou se eu não preferia que ele mesmo fizesse a limonada, batendo na coqueteleira. Senti que não ficaria como gosto e disse que não precisava. Ele insistiu. Repeti que não havia necessidade. Ele insistiu. Concordei para não criar uma discussão. Ele trouxe um negócio quase sem gosto de limão, que deve ter batido com água e uma rodela daquelas.

Na maior parte das vezes eu aceito o que me trazem. Da última, o cara trouxe um “pires” com duas canoinhas de limão (ou seja, meio limão e não um inteiro) e perguntou:

— Precisa mesmo ser um limão inteiro?

Pô, o que tem de tão difícil em me trazer um limão? Paciente, respondi:

— Por favor. Precisa!

Restaurantes de Pelotas — Vezúvio

Vou fazer alguns posts sobre situações engraçadas e caóticas que já passei nos restaurantes da cidade. Muitas delas, são o principal atrativo do estabelecimento. É o caso de Seu Giuseppe e do Vezúvio.

Junto com o Bavária, o Vezúvio talvez seja o mais antigo de Pelotas. Conta a lenda que já passou por uns três endereços. Cada vez mais vem aperfeiçoando seu espaço e tentando fazer o mesmo com seu serviço. Trata-se de uma cantina mantida por família italiana — sem querer ofender — no melhor estilo porcachon. Seu Giuseppe, o patriarca italianon, é gerente, garçom e responsável por toda a personalidade da casa, além de autor das melhores passagens. Dizem que é sua mulher quem cozinha. “Dizem”, porque nunca a vi. Seu filho, com cerca de 50 anos, fica no caixa.

A primeira vez que fui, já no endereço atual, mas antes das reformas, há uns 12 anos, era bem roots: um corredor com as mesas enfileiradas, com bancos em estilo “galpão”. Fomos em cinco, tomando cerveja e a conta não passou de 3,50 por cabeça. Inacreditável. O pior é que os raviólis fritos de queijo surpreenderam muito pela qualidade. Virei fã.

À medida que os anos foram passando, o lugar começou a virar cult, as porções foram reduzindo, os preços aumentando e as reformas acontecendo. Até cartão de crédito aceitam agora, o que pra mim é o primeiro sinal de que a autenticidade do local estava indo água abaixo — ou molho sugo abaixo.

A impressão quando se senta é estranha. Porta-guardanapos com o desenho de um vulcão (o Vesúvio) de gosto duvidoso e quadros feitos com jogos-americanos daqueles plásticos comprovam que nem toda originalidade está perdida. Um aviso no cardápio, logo abaixo da seção de carnes, onde se acha o famoso Filé à Parmegiana, alerta: “nossos filés são coxão-mole”. Obrigado pela sinceridade, mas tenho grande curiosidade em saber com que carne é preparado outro item do cardápio chamado Bife à Parmegiana. Seria com fígado, frango, mortadela, carne de soja?

Não pense em deixar comida sobrando. Ao recolher os pratos, Seu Giuseppe reclama: “Má quê? Non gostou? Tem que comer tuto!”. Apesar de ser um restaurante italiano (ou de italianos), não ouse pedir pizza. Trata-se de uma massa, aparentemente daquelas prontas de supermercado, com um molho tão aguado, mas tão aguado, que precisa ser servida ainda na forma para que não escorra.

Em certa ocasião, pedi uma Coca-cola. Veio sem gás. Chamei Seu Giuseppe e avisei. Ele disse “Má quê? Tu viu que eu abri na tua frente! Eles non von me trocar isso!”. Instintivamente, colocou o polegar sobre a boca da garrafa e sacudiu freneticamente com a intenção de provar que ainda tinha gás. Meia dúzia de bolhas desentusiasmadas formaram-se. “Viu como tá boa?”, disse. Falei que eu preferia outra e que não me importava se seria ou não cobrada. Ele saiu resmungando e trouxe outra fechada. Tirou o abridor do bolso vagarosamente, franzindo os olhos como quem diz “Olha só. Tá fechada. Vou abrir”. Tirou a tampinha, serviu e esperou ansioso meu veredito, como o ritual que se usa fazer com vinho. Levei à boca, fiz bochecho, enrolei a língua, sorvi, degluti e esperei o retrogosto. A mesa aguardava curiosa. Valorizei. Fiz suspense. Finalmente, proferi o resultado: “tá boa, pode servir”. Seu Giuseppe fez um gesto de yes e voltou para sua posição de stand-by ao lado do balcão. Na real, estava sem gás de novo, mas menti para não criar caso.

É por coisas como essas que o Vezúvio está na minha lista dos melhores restaurantes ruins de Pelotas. Adoro!