Ah, os passarinhos da manhã…

Gosto de acordar cedo. Meu horário é quando nasce o sol. Odeio sair correndo para trabalhar e começar o dia já no estresse. Procuro uma rotina matinal suave e tranquila. Pelo menos, tento. O ritual do café da manhã, que deveria ser um momento relax, tem me deixado nervoso, porque acabo não só preparando o meu, mas o da Alice, que está saindo pra aula, e o da Stela, esporadicamente. Tem que ficar pronto tudo ao mesmo tempo, para comermos quente e juntos. O item que leva mais tempo tem que começar antes. Há uma ciência para que tudo fique no ponto. Todo o processo não leva mais que 10 minutos. Me puxo.

Coloco água pra esquentar, moo o café, frigideira no fogo alto, garrafa com coador, abro a geladeira e pego as coisas que precisarei, com um garfo, coloco manteiga na metade da frigideira, manteiga de coco na outra metade, muita frescura, vão derretendo, café no coador, água ferveu, derramo no coador, vai descendo, manteigas derretidas, baixo o fogo, uma fatia de pão normal na parte da manteiga tradicional, duas fatias de pão sem glúten na metade com a manteiga de coco, mais frescura, um ovo na metade com manteiga tradicional, outro ovo na manteiga de coco, cascas no lixo, lavo a mão, guardo os pães e as manteigas de volta na geladeira, Stela grita que quer também, pego o pão tradicional e mais um ovo de novo da geladeira, arredo o pão da Alice pro lado descolando do ovo que cola no pão, coloco mais uma fatia e mais um ovo, cascas no lixo, lavo a mão, a frigideira é grande mas não cabe, fica tudo amassado, ovos vão ficar em pontos diferentes, penso em deixar o último mais tempo, secou o coador, coloco mais água, aqueço a xícara da Stela porque ela gosta queimando, pego queijo e presunto na geladeira, descolo os pães dos ovos, viro os pães, coloco uma fatia de queijo em cima de cada fatia de pão normal e uma de presunto nas de pão sem glúten, secou o coador, coloco mais água, guardo queijo, presunto e pão na geladeira, pego os pratos, polvilho páprica picante no fundo deles, pego as xícaras, pego três facas e dois garfos (porque já tinha usado um para a manteiga), disponho na mesa, viro os pães com o queijo e o presunto pra baixo, avalio se os ovos estão quase prontos, coloco mais água no coador, Alice chega pra comer, são 6h30, desligo o fogo, coloco o pão dela no prato sobre a páprica, separo os ovos com a espátula, coloco o ovo em cima do pão com queijo dela, rego com azeite, faço o mesmo com o meu, passo o coador para cima da xícara quente da Stela, ela gosta de mais fraco, sirvo o café da térmica pra mim e pra Alice, vou comer, mas a Stela chega, sirvo o pão com ovo da mesma forma pra Stela, sento pra comer, esqueci do guardanapo, levanto e pego guardanapos.

Ufa! Agora posso relaxar.

A Loja de Uma Coisa Só

Frederico Uribe

Quem nunca teve vontade de mudar radicalmente aquilo que faz como profissão; escolher algo totalmente inverso, que não tenha as complicações e implicações de nossos trabalhos diários? Eu já.

Em um desses meus devaneios, penso em abrir algum comércio especializado em um único tipo de produto. Por exemplo, uma loja focada em fósforos, ou em pregos, ou em pentes. Algo assim, à primeira vista, bem ridículo, mas que quando alguém precisasse lembraria direto como o melhor local para comprar. O nome seria bem objetivo, como “Casa dos Pregos”, “Só Fósforos”, “Cuca Pentes”. A Casa dos Pregos não teria parafusos, no máximo martelos. A Só Fósforos jamais venderia isqueiros. Seria contra nossos princípios. E a Cuca Pentes até poderia ter escovas, mas nunca tesouras, muito menos xampus ou secadores de cabelo.

E não é que passando de carro pela Andrade Neves, próximo ao Mercado Central, avistei uma “Só Cadarços”? Meus olhos brilharam. De imediato, o primeiro impulso foi pedir emprego. Já imaginei cadarços de todas cores imagináveis, em colunas cromáticas como uma imensa tabela Pantone. A realização do meu sonho de ser bibliotecário. Modelos fosforescentes, dourados, prateados, furta-cor, zebrados, onçados, tigrados, listrados, peludos, com LED e pilhas, que amarram sozinhos, elásticos, de nylon, curtos, longos, médios, médio-longos, médio-curtos, para cano alto, cano baixo, sem cano, folhetos explicativos com diversos tipos de nós, uma para cada ocasião. Não parei para conhecer, mas minha cabeça foi longe.

Visualizei meu primeiro dia de trabalho na Só Cadarços, 8h30, todo empilhado, pronto para atender o primeiro cliente:

— Tem cadarço?

É… Talvez eu não esteja ainda preparado para tamanha evolução espiritual.