Arte ou Mesmice?

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Com frequência, reclamo. Vejo outras pessoas reclamando também quando artistas cultuados, dos quais são fãs, lançam um trabalho medíocre — “não consegue mais ser como era antes”; “os primeiros discos é que eram bons!” Tenho certeza que isso atormenta também o mercado fonográfico, pois os lançamentos nem sempre correspondem às expectavas dos fãs. As bandas ficam tentando ser parecidas com o que foram, mas sem ser iguais; inovadoras, mas sem sair do lugar. Tudo para não fugir à marca que criaram e ao público que cativaram. Mas é aí que começam os problemas.

Quem, senão a arte, tem o papel de justamente quebrar as expectativas? No momento em que a expectativa tem forma, cor, timbre, postura e discurso pré-estabelecidos, a arte deixa de existir e assume o marketing tão somente. E o marketing burro, restrito, sem alcance. Pois se fosse inteligente apostaria em sua reinvenção.

O baterista do Motörhead falou sobre a dificuldade de compor atualmente: “Nós temos um enquadramento bem estreito para trabalhar e compor novas canções que soem como as antigas, mas que sejam novas. Isso é muito, muito difícil. Fica como se você já tivesse ouvido aquilo antes e você, provavelmente, já ouviu. Sabe quando você adiciona cor em uma imagem em preto e branco e ela ainda permanece preto e branca? É muito difícil”.

A demanda criada precisa ser preenchida exatamente como exige? Claro que não. Um artista pode evoluir, ter novas vontades, desafios, necessidades de expressão. Os discos que mais cultuo são aqueles que quebraram fórmulas anteriores. A mesmice cansa. Se é para ficar na mesma, prefiro o original. Aliás, “fórmula” é um conceito que me desagrada profundamente.

Mas é necessário talento para se reinventar. Minha banda preferida tem uns 10 discos, gosto só de quatro. É a vida. A ideia é: conheça coisas novas e pare de cobrar que os artistas de sempre estejam à disposição para saciar seus desejos doentios por mesmice.

A propósito: o que você achou do novo disco do Pink Floyd?

O Acidente da TAM — Coincidências

ft_ac_TAM_3054_48[1]Nunca contei isso.

Em 2007, a aeronave que fazia o voo 3054, da TAM, que ia de Porto Alegre para São Paulo (Congonhas) sofreu um acidente na aterrissagem. O fato impactou o Brasil inteiro e, principalmente, o povo gaúcho, pois grande parte dos passageiros era daqui. No dia seguinte, os jornais traziam em página dupla, as fotos das vítimas. Assim como à maioria das pessoas, as notícias do evento me aterrorizaram e tive a atenção voltada para os jornais e telejornais. Felizmente, não conhecia ninguém a bordo. (“Felizmente” é ruim de dizer, porque não houve felicidade alguma, já que tanta gente estava infeliz naquele momento e perdendo gente tão próxima.)

Eu havia feito uma música com uma letra antiga do Jefferson, baterista da minha banda, Água de Melissa. Porém, ele achara que a composição não combinava com a letra. Inspirado por aquelas 199 fotos 3×4 que estampavam os veículos de comunicação do país e pela ironia do destino de ter sua vida resumida a uma legenda de fotografia em página dupla de jornal, resolvi escrever uns versos e substituir a letra anterior. Os fiz em primeira pessoa, sob a ótica de um passageiro. Decidi que a personagem seria uma mulher. Senti a necessidade de dar um nome a ela. Pensei em um qualquer, aleatório, que coubesse na métrica e rimasse com algum número que seria sua idade. Inventei “Maria Inês”, para rimar com “23”. Juro que não havia visto a lista de passageiros.

Há cerca de três anos, algum parafuso da minha cabeça soltou, ou prendeu, não sei. Lembrei da irresponsabilidade em ter escolhido um nome qualquer e não ter nunca verificado se realmente não havia passageiro homônimo. Fui para a internet e, pasmo, encontrei “Inês Maria Kleinowski”. Pesquisei mais a fundo, incrédulo, para encontrar a idade. Só faltava ser 23. Não era. Tratava-se de uma senhora de 49 anos. Fui atrás de parentes, pois pensei que a coincidência poderia ter algum valor para a família. Mandei e-mails para alguns com sobrenome igual, mais nunca obtive resposta.

A música se chama “Não Sou Eu (200 Fotos)” e pode ser ouvida no site da minha banda Água de Melissa ou aqui.

Fica aí, registrada, a curiosidade, seis anos depois.

Abaixo, a letra da música.

Não Sou Eu (200 Fotos)
(Cuca)

Esta da foto não sou eu
Nem sou o que me descreveu
Quem foi que veio me entrevistar
pra eu contar?

Eu não sou tinta de jornal
Em fonte bold, arial:
“Maria Inês, Porto Alegre, estudante, 23”

Só uma legenda
pra explicar minha vida inteira, vai caber?
Quem são as 200 fotos na página central?

Cadê o meu riso engraçado?
E meus poemas decorados?
O jeito que amarro o meu sapato?
Eu sou assim.

Rachou

Contabilização da energia.

Sozinho em uma pizzaria, viajando a trabalho, compus a letra.
Anotei no celular.
Tentei musicar algumas vezes. Ficou ruim. Guardei.
Mandei para um amigo. Ele não fez.
Meses depois, publiquei no blog.
Meses depois, descobri o concurso do Leoni.
Mandei a notícia para uma amigo.
Li o regulamento algumas vezes.
Não gostei das regras do Concurso.
Achei-as falhas e incompletas.
Resolvi participar mesmo assim.
Baixei a música.
Ouvi umas 3 vezes.
Pensei em compor algo novo.
Questinei Leoni sobre o tipo de letra desejada.
Ele respondeu que só precisava ser boa.
Lembrei da letra já feita.
Resgatei.
Combinou.
Mudei versos de lugares.
Cantei.
Ajustei métrica.
Cantei.
Cortei dois versos.
Cantei.
Cantei.
Cantei.
Conectei cabos, microfone e arrumei a câmera.
Coloquei a letra no monitor.
Apaguei a luz.
Disparei a câmera, o player mp3 e o gravador do micro.
Errei.
Errei.
Errei.
Errei.
Errei.
Acertei.
Mixei o áudio.
Editei o vídeo.
Subi pro Youtube.
Inscrevi no site.
Aguardei instruções.
Escutei concorrentes.
Troquei ideia com amigos.
Questionei as regras do Concurso.
Mandei sugestões para um próximo.
Assisti 6 paredões.
Fui emparedado.
Postei no blog.
Fiz campanha no Facebook, no Twitter, no Instagram.
Fiz campanha no trabalho.
Enchi o saco de muita gente.
Consolidei minha imagem de chato.
Ajudei a aumentar o mind share do Leoni.
Vi muita gente não conseguir votar.
Ajudei.
Excomunguei o sistema.
Não forjei votos, não incentivei, desestimulei quem se ofereceu a fazer.
Tive ajuda de muita gente.
Me emocionei com a boa-vontade de pessoas, até de distantes.
Me decepcionei com o descaso de algumas pessoas próximas.
Comprometi um dia de trabalho.
Tive a compreensão de quem gosta de mim.
Consegui 113 votos.
Venci o paredão!
Fiquei entre os 38 semifinalistas!
Vi as regras mudarem.
Questionei.
Não polemizei.
Fui colocado na primeira das semifinais.
Postei no blog.
Fiz campanha no Facebook, no Twitter, no Instagram.
Fiz campanha durante trabalho.
Estive em terceiro.
Fiz artezinha 1.
Fiz artezinha 2.
Fiz artezinha 3.
Fiz texto abrindo o coração.
Fiz QR-code. Só a Raquel Recuero, a Cissa e a Carmen curtiram. Ninguém deve ter usado. Ehehehe
Fiz promoção com prêmio em cerveja.
Fui entrevistado.
Fui divulgado no jornal impresso. No jornal online.
Fui veiculado na RBS TV.
Enchi o saco de muita gente.
Tive centenas de compartilhamentos.
E dezenas de compartilhamentos de compartilhamentos.
Consolidei minha imagem de chato.
Ajudei a aumentar o mind share do Leoni.
Estimo um alcance de 50 mil pessoas.
Vi muita gente não conseguir votar.
Ajudei.
Excomunguei o sistema.
Não forjei votos, não incentivei, desestimulei quem se ofereceu a fazer.
Estive em quarto.
Tive ajuda de muita gente.
Me re-emocionei com a boa-vontade de outras pessoas, até de distantes.
Me re-decepcionei com o descaso de outras pessoas próximas.
Tive postagem odiosa anônima no blog.
E tive mágoa. Tive pena. Deixei pra lá.
Não desisti mesmo em quinto.
Comprometi dois dias de trabalho.
Tive a compreensão de quem gosta de mim.
Sabia que não dava mais.
Fiquei com raiva das regras do Concurso.
Pensei em comprar usuários de lan house.
Deixei pra lá de novo.
Fui pra quinto.
Segui lutando no fim de semana.
Não foi suficiente.
Tive 1.100 acessos ao blog.
164 curtiram o link do post.
Agora estou com 166 votos.
Presisaria de, no mínimo, outros 400 para tentar ficar em segundo.
Continuar só irá me fazer mais chato do que já estou.
Acabaram-se os amigos.
Mas a música continua.

Vou pensar em uma forma mais contundente de agradecer o voto de alguns e o empenho sobrenatural de outros.

Por enquanto, muito obrigado!