Ainda Estou Aqui (com spoilers)

Assisti “Ainda Estou aqui” sob a perspectiva do Oscar. Sabemos que não é um prêmio que importa para a arte, mas para a indústria cinematográfica nacional. Foi assim com “Quem quer Ser um Milionário”, dando visibilidade mundial a Bollywood. Foi assim com “Parasita” e o cinema coreano. Pode ser assim para o Brasil também. Pensando dessa forma, até que importa, sim, para a arte nacional.

A campanha de marketing que estão promovendo internacionalmente para que o filme de Walter Salles seja um dos indicados é a maior que presenciei na história do cinema brasileiro. Isso criou uma aura de euforia que estimulou ainda mais minha curiosidade.

Como meu trabalho diário inclui o audiovisual, criação de roteiros etc., é impossível entrar em um cinema e não prestar atenção nas questões técnicas, nas escolhas de adaptação do livro, nos enquadramentos, nas atuações, do que era real e no que é adorno necessário a qualquer história. Isso é ruim, porque tende a me afastar da essência; daquilo que se pretende que o expectador sinta. O pensar, muitas vezes, nos distancia do sentir.

Vou começar o papo pelo jeito que iniciei a assistir; pelas percepções frias. Ficar pensando no que os jurados da Academia levam em consideração para valorizar uma película guiou minha crítica em tempo real, cena a cena.

Muita gente em quadro em todas as situações do primeiro ato — a família era grande, cheia de amigos. Será que isso não é estranho comparando com outros vencedores que, geralmente, tirando figurantes, não exploram tantos protagonistas? A felicidade extrema da família, não é um exagero? Seria para mostrar que “comunistas” não são comedores de criancinhas? Ou será que era só para criar um contraste com o que viria a seguir? Afinal, o fato mais marcante é que não poderia ser apelativo demais, ou seria julgado pelo excesso e levantar críticas ideológicas desnecessárias.

Fernanda Torres, que também está cotada com boas possibilidades de indicação ao prêmio de melhor atriz, deu um show. Desnecessário discorrer sobre isso. Mas optou, muitas vezes por uma atuação levemente teatralizada e pouco naturalista. Note que não me refiro a exagero de emoções — ela foi sublime —, mas à técnica. Não há problema algum com isso. Analisava assim: “Parece que está atuando? Parece.” Fiquei pensando sobre qual estilo de interpretação ganha mais estatuetas.

O cachorro, que não existia de fato, foi inserido com uma função. Será que sua morte, que representa objetivamente o entendimento da família sobre a passagem do pai e a virada de chave, não deveria ter vindo um pouco depois? Das pessoas com quem conversei, só eu achei isso. Só eu também interpretei dessa forma a mensagem desse acontecimento. Pode ser apenas a minha leitura.

A forma como os agentes do governo são apresentados é interessante. São sempre cordiais, agradáveis, até quando estão interrogando Eunice. Não foram nem mesmo eles que atropelaram o Pimpão. O medo se apresenta nas entrelinhas da ocupação da casa, nos sons vindos das celas vizinhas durante a prisão e o interrogatório, nas gotas de sangue pelo chão e na escuridão do lugar. Os soldados até lavam o chão para ficar menos pior. Tem até o guarda camarada e preferido de Eunice. A função seria compatibilizar o filme com o pessoal que releva a ditadura? Humanizar as pessoas ao mesmo tempo que condena o regime? Criar mais identificação e menos críticas de quem pensa diferente? Escolhas… Escolhas…

Na minha sessão de cinema, chuto que 80% eram de pessoas com mais de 60 anos. Gente que era adolescente ou jovem na década de 70. Prestei atenção em suas reações. Se identificavam com as músicas, com a voz de Cid Moreira na TV, com as piadinhas e expressões típicas, com as menções a Gil e Caetano. Nostalgia pura, como a que tenho quando assisto De Volta para o Futuro. Eu era adolescente na década de 80. Fiquei imaginando com o que a emoção das demais pessoas ressoa com o filme. Minha mulher lia muito sobre a ditadura, se identificou com isso. Minha filha de 15 é superpolitizada para a idade e gosta de coisas vintage. Se identificou com o momento histórico e, claro, com a câmera Super 8, com os discos de vinil, vitrola e com as músicas. Minha filha de 20 está fazendo Cinema. Não precisa nem dizer que deve ter assistido com pensamentos parecidos com os meus. Apesar do filme tentar escapar ao máximo da discussão política — mesmo sendo impossível e até necessária essa conversa — gostaria de saber a opinião de pessoas com ideologias distintas. No que se apegaram? Gostaram ou não? Não consigo deixar de lembrar da já clássica e hilária frase-meme do personagem do Daniel Furlan no Choque de Cultura: “Eu sou contra esse filme!”

Depois de passar boa parte da projeção embebido nas tecnicidades, em determinado momento, minha mente objetiva foi vencida e me vi entregue. O filme me dobrou. É difícil de explicar a porrada com que ele bate. E bate forte! Nem foi porque Rubens Paiva tinha um semblante parecido com o de meu pai (Viu? Cada um tem os seus próprios pontos de acupuntura). É uma história necessária de ser contada e retratada do jeito que foi, lembrando dos fantasmas mas enfrentando-os com coragem e pragmatismo. Eunice é mostrada assim. Não preciso ir além sobre a força dessa mulher. Todo mundo já o fez.

A hora em que Marcelo aparece autografando “Feliz Ano Velho”, seu primeiro livro, foi emblemática para mim, porque conecta dois momentos da história dele. Criança na época da prisão do pai, surge adulto, da forma como levaria a vida, amadurecido, agora em cima de uma cadeira de rodas. Conectou com a minha história também. Foi o primeiro livro de temática adulta que li, ainda adolescente, sob insistência da minha mãe — e adorei! Relação pequena e desproporcional, mas ainda assim, uma relação. Acupuntura.

Sobre o ato final, já sabia o que me esperava. A mídia tinha contado. Era Fernanda Montenegro, cujo Oscar havia sido perdido (ou roubado) anos atrás (procure o motivo dessa minha declaração no Youtube). Em dois segundos de seu rosto na tela, com o semblante perdido, eu já estava acachapado. Simplesmente, não conseguia encará-la! Era como se estivesse disparando a história de todo filme, a história recente de todo um país, com raios saindo de um olhar inerte, de bochechas caídas. Era um take de uns 30 segundos, eu acho. Não sei! Parecia uma eternidade! Eu desviava o olhar para não começar a soluçar desesperadamente no cinema. Como pode?! A gente sabe o que vai aparecer. A gente até viu na divulgação. Mas quando aparece, te pega com aquele contexto todo vivo na cabeça.

Estamos acostumados a ver Fernanda Montenegro. Ela tem um estilo, uma cadência de falar. Ela é muito boa. É excelente! Sabemos o que esperar dela. Mas aos 94 anos de idade, nos surpreender com uma cena dessas? Sem palavras, sem respiração! Era só o olhar, as bochechas, as rugas, — sei lá — os cabelos! Não sei que partes do corpo estava usando para expressar tudo aquilo.

O Alzheimer aqui traz uma conotação adicional à realidade da história. É também uma metalinguagem de que o filme serve para não nos esquecermos dos fatos; para que, mesmo que mudemos de assunto, o essencial deve permanecer em nós, como cidadãos, como pais. Eu costumo dizer que cultura é tudo aquilo que sobra quando alguém perde a memória. Talvez não seja exatamente assim, mas o conceito veio a calhar. A protagonista, mesmo sofrendo da doença, mostra que ainda resta uma chama acesa para o que realmente importa; uma fagulha que acende de repente e reaquece o espírito.

Não sei se “Ainda Estou Aqui” será indicado aos Oscars de Melhor Filme Estrangeiro, Melhor Filme, Melhor Atriz, mas ficaria muito feliz que Fernanda Montenegro tivesse uma improvável indicação e ganhasse o Oscar de Melhor Atriz Coadjuvante apenas por essa cena. Seria a melhor desforra de todas, um marco para o cinema mundial e o coroamento da maior atriz (desconsiderando gêneros) que o Brasil já teve. Se pudessem escolher um só prêmio para o filme, tenho certeza que Fernanda Torres e Walter Salles também optariam por esse. Certeza.

O Som do Silêncio

Eu achava o máximo o seriado Armação Ilimitada — programa que passava na Globo nos anos 80, dirigido por Guel Arraes. Juba, Lula, Bacana, Zelda Scotch… A linguagem dinâmica, cortes rápidos, supria a ânsia adolescente por rebeldia. Se o jovem de hoje assistir, ficará entediado com o ritmo lento para os dias atuais. Na época, meus pais achavam uma insanidade a câmera e os cortes “rápidos”.

Pois bem, eu fiquei velho, virei pai e, neste último ano, tem me feito mal a velocidade das narrativas contemporâneas. Sejam filmes, seriados, vídeos no Youtube, entrevistas. Tudo é curto, podado, sem desenvolvimento. E não é só linguagem de edição. É profundidade mesmo. Ninguém quer mais respirar, refletir, aprofundar, ouvir os silêncios.

No cinema

Compare o filme Superman de 1978 com um Avengers da vida. No primeiro, temos meia dúzia de personagens desenvolvidos em uma história de 2h20min. Dá pra nos aprofundarmos em suas personalidades, aflições, angústias, propósitos, peculiaridades. Os melhores Superman (e Clark Kent), Louis Lane, Lex Luthor de todos os tempos. Não tem pra ninguém. Um baita filme até hoje. Agora pense no último Avengers: 50 personagens disputando cada frame dos 180 minutos, em uma edição frenética que te deixa tonto, com um roteiro construído em uma planilha de Excel, para conseguirem engatar um filme com o outro e licenciar tudo que for possível para o mercado. Eu gosto da Marvel e acho que fizeram um trabalho excelente, sem precedentes. Mas fico cada dia mais desestimulado a consumir propostas assim.

Acredito que as séries estão se tornando populares por isso. A gente quer entrar dentro de cada personagem e sentir o que eles sentem. Queremos nos identificar com dilemas, dores e entusiasmos.

Talk Shows

Agora vamos aos talk shows. Tanto os americanos, como os nacionais, todos são supereditados, os assuntos são cortados para caberem no formato comercial da TV. Tem programa com entrevistas de 10 minutos. Como assim?!

Mas, quem diria, que a Internet e sua propensão ao descartável, ao consumo rápido, veio para suprir essa deficiência dos bate-papos? Nos foram trazidos os podcasts que, no começo, também eram curtos (não havia nem banda suficiente nem dispositivos confortáveis para se consumir algo mais longo). Agora, o formato estendeu e é difícil encontrá-lo em episódios de menos de 60 minutos. A grande sensação do momento são os podcasts que também vão pro Youtube, em vídeo, e chegam a ter quatro horas de duração. Sim! Parece inadmissível você parar por quatro horas (o bom é que não precisam ser ininterruptas) para consumir um conteúdo de bate-papo. Alguns canais “piratas” ainda criam os cortes, que são fragmentos mais curtos com um título clickbait, e que acabam auxiliando a divulgar os canais originais. Eles gostam e agradecem.

Flow — O Fenômeno Improvável

O maior expoente do momento é o Flow. Igor e Monark são dois não-jornalistas, despretensiosos, com pouco ou nenhum conhecimento sobre os entrevistados (e até sobre a maioria dos assuntos que apresentam), que sacaram que havia gente, como eu, ávida por uma conversa informal, com tempos de respiro, sem pesquisas prévia, com bolas-fora, com vergonhas-alheias, com erros e acertos, entre pessoas que, às vezes, nunca ouviram nem falar umas nas outras. A curiosidade dos dois sobre o convidado dá o tom e a espontaneidade suficientes para tornar o assunto bacana, como se fosse você conversando. E dentro dessa premissa, os caras estão construindo uma grande indústria de conteúdo, com diversos programas (muitos entram ao vivo) em um complexo de estúdios em São Paulo, capitalizando views no Youtube.

Na cola, além dos próprios programas do conglomerado Flow, tem o Inteligência Limitada, do Rogério Vilela, e o Mais Que 8 Minutos, do Rafinha Bastos, entre outros. Eles parecem que estão formando um circuito que os assessorem de imprensa e RPs descobriram ser um caminho oportuno para divulgar seus clientes. Frequentemente acontece de um convidado, na mesma semana, frequentar esses três que citei. Mandetta, Ciro Gomes, Gabriela Prioli, Eduardo Bueno, Luciano Hang, Guilherme Boulos, Luciana Gimenez, Fernando Haddad, Eduardo Bolsonaro, Kim Kataguiri, Rogério Skylab, Danilo Gentili…  São alguns dos nomes que já foram nos 450 episódios do Flow. Às vezes, os caras chegam a fazer dois por dia.

Estou cansado de conteúdos que não se aprofundam, que não dão tempo de respiro, que não te fazem conhecer de fato o convidado (ou os personagens), que te cospem na cara algo que não te satisfaz. Já bastam os áudios em 1,5 ou 2x do WhatsApp aos somos obrigados a dar play na correria do dia a dia.

Quando chegar em casa, quero paz, espaço para pensar e uma boa conversa para assistir, quando faltarem os amigos.

Séries são melhores que filmes?

Calma! A pergunta não é tão idiota assim.

Costumo acessar o site IMDB (Internet Movie DataBase) não só para ter informações técnicas sobre títulos como para consultar a nota conferida a eles pelos usuários. Claro que não irei deixar de assistir algo que eu queira ver (não importa a avaliação que tenha). Mas como meu tempo de dedicação ao cinema é limitado, uso o critério “acima de 8” para me aprofundar sobre e, talvez, assistir, coisas que não chegaram a mim por outros meios.

“No tocante a essa qüestão daí”, tenho percebido que séries tendem a ser melhor avaliadas do que filmes; têm média maior. Isso me encuca.

SERIA PORQUE ELAS SÃO MESMO MELHORES?

Supostamente, o investimento de produção em uma série precisa ser mais certeiro, por isso não se investe em ideias meia-boca? Creio que não. Séries medianas têm nota maior ou igual a grandes filmes. Exemplo: “Lúcifer” (que é bacaninha) tem média 8,2, a mesma que “Laranja Mecânica”, “Táxi Driver”, “Monty Python em Busca do Cálice Sagrado”, “Up!”, “Cantando na Chuva”, “O Fabuloso Destino de Amélie Poulain” e por aí vai. Filmes que estão próximos da 100ª posição no ranking dos melhores de todos os tempos, segundo os usuários do site!

SERIA PORQUE OS FILMES SÃO MAIS VISTOS E VOTADOS, PORTANTO A TENDÊNCIA É A MÉDIA CAIR?

Não creio. A média da nota da série “Lúcifer” (de 2006) foi composta por 202 mil votos, a mesma quantidade do clássico “Cantando na Chuva” (de 1952). Creio que acima de 1000 opiniões, a média já está bem consolidada.

SERIA PORQUE AS PESSOAS SE AFEIÇOAM MAIS A SÉRIES?

Todo mundo gosta de dizer que está vendo uma série boa. Ter ela pra si. Ser “dono” dela. Se sentir o descobridor de uma nova produção para contar aos amigos. Dedica-se a ela muito tempo assistindo. Uma temporada normal pode variar de 10 a 20 horas de duração. Daria pra ver de 6 a 13 filmes, aproximadamente. Depois de toda essa maratona, seja parcelada ou não, dizer que você não gostou seria um tanto quanto esquisito.

TALVEZ SEJA ISSO!

As pessoas se sentem mais recompensadas ao verem séries. Criam vínculos maiores com os personagens, ainda mais nessa época em que a linguagem geral do cinema é tão veloz. Têm melhores momentos assistindo. Passam melhor o seu tempo. E, depois de acabar, dá uma sensação de incompletude, de querer mais, de sentir falta da rotina criada.

Sei lá. O que vocês acham?

POR QUE “1917” IRÁ GANHAR O OSCAR DE MELHOR FILME?

Nota do editor (posterior à premiação — leia no final, se preferir):

O vencedor foi “Parasita”. Pensando aqui o motivo da minha avaliação ter sido equivocada — aprendendo com os erros.

(1) A Academia está mudando. Muita gente nova,de vários países, foi convidada a ingressar. Isso aumentou a diversidade. É bom. Não tinha conhecimento disso até a transmissão da cerimônia.

(2) Existe um critério que não entendi bem como é, mas é algo como: se um filme figura em muitas categorias como segundo lugar isso pontua também e conta pra categoria de melhor filme, que é, resumidamente, uma coletânea de qualidades encontradas nas demais categorias.

(3) Mas o mais preponderante é que posso ter subestimado o fato da história de 1917 ser simples demais. Não estou falando de roteiro. Roteiro é uma coisa, argumento de história é outra. O roteiro de 1917 é demais, mas a história pode não ter sido suficiente para elevar ele no julgamento dos profissionais votantes e ganhar melhor filme. É como uma música: a boa mesmo é a que você consegue assobiar. Como você contaria a história de 1917? “O cara tinha que entregar um bilhete pra salvar 1600 vidas e se mete em muitas confusões pelo caminho.” Não acontece muita coisa além disso que seja contável. É difícil “assobiar” 1917.

Meu filme preferido é “Era Uma Vez em… Hollywood”. Fiquei chateado que ganhou pouca coisa. Tarantino merece um reconhecimento maior. Mas é aquilo: muito filme bom! Isso é o mais importante.


Não recordo de um Oscar ter tantos filmes bons como o deste ano. Eu não assisti “História de Um Casamento” e “Adoráveis Mulheres”, apenas. Estamos em uma boa safra. Existem vários filmes capazes de levar o prêmio. Mas aqui vou dizer por que acho que “1917”, de Sam Mendes, vence a parada. A maioria dos motivos tratam de inovação sobre um tema bastante usado — a guerra.

  1. Você lembra de algum título sobre a primeira grande guerra?
  2. Quantos filmes de guerra você lembra que se concentram em apenas um personagem? Geralmente, mostram batalhões ou missões de soldados, muitos combates… Aqui é a vida de uma pessoa, sua missão e obstinação em completá-la. Sabe quando recebemos a notícia de um acidente de avião ou massacre real em que há muitas mortes? A gente se estremece, claro. Mas o impacto é muito maior quando a tragédia é personalizada em uma pessoa ou uma família, e quando nos contam a história dela a ponto de nos envolvermos mais. Este filme não se detém do personagem, mas o próprio desenrolar se encarrega de nos apresentar aquele soldado.
  3. Quantas histórias são tão simples quanto “leve esta mensagem para impedir uma emboscada”? E não só, mas o roteiro não se afasta disso, nunca. Toda vez que surge um assunto periférico eles puxam de volta ao mote principal.
  4. A imersão causada pela condução em plano sequência e, principalmente, quase como uma câmera subjetiva, que acompanha o personagem, é extremamente envolvente. Ela nos coloca dentro da película, no mesmo ambiente, com os mesmos sentimentos de Schofield. Parece um game de guerra, em primeira pessoa, e isso cativa até os expectadores mais novos, coisa rara em um filme passado há 100 anos.
  5. É tecnicamente impecável, seja na fotografia, da direção de atores, na produção, no som, nos efeitos mecânicos e eletrônicos, na edição (que apesar de pouca, é essencial no filme)…
  6. “Era Uma Vez em… Hollywood” é excelente! Incrível! O melhor de Tarantino pra mim. Mas não é um filme unânime. Tem as estranhezas do diretor, o que não é o padrão da Academia.
  7. “Coringa” é sensacional. Mas a tradição dos filmes de super-herói (ou de vilão) não é de ser reconhecido a esse ponto pelo Oscar. Ele vai ficar com melhor ator e algum outro prêmio, certo. Se fosse ganhar seria mais para reconhecer o que os filmes de super-heróis têm feito pelo cinema na última década. Mas nesse caso, seria concedido à Marvel e não à DC.
  8. “Parasita” é muito bom. Rompe com o cinema tradicional. Nos traz uma linguagem diferente, surpreende… Mas… Está também concorrendo como Melhor Filme Estrangeiro. Deve levar por lá.
  9. “Ford vs Ferrari” é bem bom. Mas não tem “corrida” pra tanto.
  10. “Jojo Rabbit” é bem legal. Se tivesse que enquadrar ele em algum padrão, estaria próximo de “A Vida É Bela”. Mas concorrendo com outro filme de guerra, cheio de qualidades como mencionei, a Academia não repetiria o estilo de prêmio concedido a Benigni.
  11. “O Irlandês” é Netfilx. Ainda não está na hora de valorizar um filme de uma plataforma que, como Spielberg disse, “não é cinema”. Na real, eu achei chato pra caralho.
  12. Não é um filme politico, apesar de tratar de uma guerra. Parasita, Jojo, Coringa são; têm aquele viés questionador ideológico. Não que isso seja ruim, mas estamos em uma momento histórico mundial bastante polarizado e “1917” surge para que a gente respire, como um alívio, e deixe as armas ideológicas de lado para entrar na história pura e simples de uma pessoa, aliás, da missão de uma pessoa (mais simples ainda). A gente tá precisando de um pouco de paz e a ironia é um filme de guerra ser a resposta pra isso.

É isso! Vai minha torcida para “1917”!

O Homem de Aço

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Me criei vendo e revendo Superman e Superman 2 — aqueles com o Christopher Reeve. Eu era — e sou — maluco por esses filmes. Não canso de assistir. Mostrar para minhas filhas virou apenas um pretexto para reviver minhas emoções de criança. Hoje percebo o quanto essas histórias tiveram participação na formação de meu caráter. É uma contribuição que os super-heróis têm para a personalidade de uma pessoa. Acredito nisso.

Foi assim, com toda a expectativa possível, que fui assistir “O Homem de Aço” — o novo filme da DC Comics para o personagem. E fui em grande estilo — no IMAX.

Gostei do que vi no começo. Apesar da direção de arte e fotografia com look 300-aliens-gladiador (muito em voga, e que me aborrece justamente por conta disso), o roteiro, até então, estava bacana. Mantiveram tudo de bom que existia da história do nascimento de Kal-El do filme original, mas com um ar modernoso, claro. Bem esperto! Assim, resgatam o fã antigo sem parecer boboca para a nova geração. Gostei também dos flashbacks que contam momentos do herói enquanto criança e jovem. É certo que o estilo de Nolan, co-autor da história e produtor do filme, não admitiria um storytelling cronologicamente linear.

É bacana também quando pescam passagens dos filmes de 1978 e 1980 e dão novos desdobramentos, como usar um acidente com ônibus escolar em uma ponte, ou mostrar uma briga de bar entre o herói e um encrenqueiro. Foi como dizer “olha, a gente adora respeita os filmes originais, mas agora vamos fazer do nosso jeito”.

As coisas começam a degringolar quando iniciam as lutas. Em uma conta capciosa, devem ocupar cerca de 40% do tempo da película. O problema nem é a quantidade, mas a intensidade. É tudo “over demais” (redundante assim). Não só nas consequências que, por exemplo, o soco de Zod no Superman pode causar, fazendo-o ser lançado de forma a perfurar cerca de 15 prédios, mas pelo estilo frenético de movimento de câmera. Está certo que estava no IMAX, e que cheguei a ficar meio tonto com tamanha inquietude visual, mas foi exagerado. Tudo era assim. Às vezes penso que o estilo serve apenas para mascarar efeitos e reduzir tempo de renderização.

Ao contrário das antecessoras, esta versão tem pouco de humano. É uma ficção alienígena. Não há exploração de personalidades. Os personagens não conquistam, não cativam, não se firmam. Isso é meio recorrente nos filmes de ação atuais. Fico me perguntando como antigamente se conseguia, em menos tempo (sim, porque os filmes de hoje sempre têm mais de duas horas) contar mais coisas, explorar mais os personagens, criar envolvimento maior, sem esse ritmo intenso que se convencionou agora. Hoje, se corre mais — tanto nos diálogos quanto na ação — e se transmite muito menos. Vão falar que estou velho, mas o que fica quanto você sai do cinema? Um zunido na cabeça?

Se você é fã, como eu, da saga antiga, claro, vá ao cinema ver “Homem de Aço”! Se não é, vá também. Agora, por favor, não deixe de assistir os originais.

Once — Apenas Uma Vez

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Quando mostrei ao Renato o clipe que fiz para o Coelho (ver post anterior), logo lembrou e me indicou, com bastante sensibilidade, o maravilhoso filme irlandês “Once” (“Apenas Uma Vez”, no Brasil). No domingo, assisti e acredito que entendi o motivo da relação.

“Once” parece ser uma história de amor. E é. Mas de amor à música. Conta uns dias na vida de um músico que divide seu tempo entre preformances na rua e consertos de aspiradores de pó na oficina de seu pai. Até que conhece uma garota, apreciadora de sua arte, que tem um aspirador com defeito. Os dois começam a andar juntos e ela revela-se uma humilde pianista de mão cheia — com uma voz linda. Ele a coloca em seu projeto autoral e, a partir daí, o que parecia apenas um romance muda de rumo. A protagonista da história passa a ser a música. Isso é percebido diversas vezes, principalmente nos momentos em que a relação entre os músicos da banda é regida por algo maior. Todos são pobres e usam as ruas como ganha-pão, porém embarcam no projeto do personagem sem esperar nada em troca senão satisfação pessoal e amizade. Impossível quem é ou já fez parte desse mundo não se sentir tocado. Ao final do filme, essa questão é jogada na nossa cara duas vezes. Uma delas não posso contar, pois estragaria a surpresa do desfecho. A outra é nos créditos, quando, pela primeira vez me dei conta que o casal não tinha nomes. Está lá: “guy” e “girl”, ao lado do nome dos atores.

As composições do “cara” lembram muito Damien Rice e surpreende (ou não) encontrá-lo nos agradecimentos. As canções são, de fato, de autoria do protagonista, que tem carreira musical ao lado da “garota”, mas com nomes bem mais específicos: Glen Hansard e Markéta Irglová, também conhecidos como “The Swell Season“.

E a relação com o clipe “Tronco e Cetim”? Não está só nesses fatores afetivos com a música, mas na estética crua, nos movimentos de câmera, no ritmo da edição, na captação de áudio ao vivo. Só faltou mesmo as pitadas de romance, mas isso eu deixo pras nossas esposas discutirem. : )

Assista!

Deixa pra Lá

O que leva um diretor a fazer um remake de um filme recente que já foi muito bem executado? No caso de “Deixa Ela Entrar” (“Låt Den Rätte Komma In”, Suécia, 2008) e “Deixe-me Entrar” (Let Me In, UK/EUA , 2010), a única opção que cogito é a língua; é atingir um público maior. O original é sublime, perfeito, irrepreensível. Às vezes me pego no cinema pensando “poxa, aí eu faria diferente”, “por que fizeram assim?”. Talvez esse tipo de inquietação tenha afligido o diretor Matt Reeves (diretor do excelente Cloverfield). Porém, 80% das cenas são praticamente as mesmas – algumas nos mesmos ângulos, em locações parecidas, nos diálogos. Nos outros 20% ele mudou coisas que não acrescentaram em nada, pelo contrário; para quem viu o sueco, deixaram a desejar. Uma cena quase idêntica, mas bem pior na refilmagem é no ato final, quando se dá a “vingança” (sem spoils) – Tomas Alfredson foi muito mais feliz na escolha dos planos. O silêncio também é muito mais bem explorado pelo sueco. No sucessor, há trilhas e efeitos em demasia. Quanto às atrizes, temo em dizer que, apesar do excelente trabalho em Kick Ass, a atriz mirim Chloe Moretz não convence tanto como Lina Leandersson no papel  da vampirinha. Não estou dizendo que seja pior atriz, mas talvez seja uma questão de perfil.

Em época em que vampiros pegam sol e brilham como purpurina, é um alívio saber que não é preciso abrir mão dos preceitos básicos vampirescos para se fazer um filme contemporâneo, emocionante e cativante.
Na real, os dois são ótimos. Aconselho que se veja os dois. Mas o sueco antes. Nem que seja por respeito à ordem natural das coisas.

O Abacaxi Flambado e O Final de Lost

Sabe quando você está quase dormindo, indo e vindo, até que seu último pensamento, seu último pulso de consciência, é peça principal de uma complexa e estimulante teoria que só se revela estapafúrdia quando você desperta segundos depois? Exemplo: você está pensando na sua chave que ficou sobre a mesa; pega superficialmente no sono e imagina que, se essa chave estivesse sob a roda de um carro, mudaria de cor e seria perfeita para flambar um abacaxi; aí, você desperta e, apesar de sacar que tratava-se de um absurdo total, não consegue lembrar de quase nada; em seguida esquece de todos os detalhes e conexões pseudológicas e… Puf, se foi.

Talvez você tenha se identificado com essa minha sensação quase sonâmbula, talvez não. Mas foi ela que resgatei ao ver o último episódio de Lost. E foi por dois motivos. O primeiro é que essa pode ter sido uma das inspirações dos roteiristas ao criar a cruzada interior de cada personagem (ou só do Jack, enfim) e das trançadas malhas que sua imaginação o levou a tecer no pré-morte – como no meu pré-sono. O segundo motivo é que, assim como pelo meu sonolento devaneio, me senti totalmente ludibriado. A promessa dos produtores de que tudo seria explicado não foi cumprida. E, cá entre nós, foi uma solução preguiçosa e óbvia demais para resolver o emaranhado de situações absurdas que criaram. Isso sem falar que o grand finale não foi nada mais do que a teoria inicial, levantada por qualquer babaca antes mesmo de ver o primeiro capítulo, ao ler apenas a sinopse da série ou os releases lançados para a imprensa.

Não me arrependi de ver Lost por seis anos. O último capítulo (18) representa apenas cerca de 0,75% da série. Os outros 99,25% foram entretenimento da mais alta qualidade. Mas é que fica um retrogosto complicado de assimilar.

O Oscar Deste Ano Estava em Casa

– Amor, cê não vai trocar a lâmpada da varanda?
– Já vou.

– Amor, cê não vai arrumar o vazamento do lavabo?
– Eu chamei um faz-tudo que vai arrumar, junto com a lâmpada da varanda.

– Amor, cê não vai arrumar o portão da garagem?
– O faz-tudo não veio. Essa gente é foda…

Moral da história, quando Cameron conseguiu o faz-tudo, o conserto custou US$500 milhões, pois tinha acumulado defeitos pela casa toda. Bigelow arranjou outro marido e uma casa nova por apenas US$11 milhões.
E um Oscar de melhor direção.

– Amor, cê não vai trocar a lâmpada da varanda?
– Já vou.
– Amor, cê não vai arrumar o vazamento do lavabo?
– Eu chamei um faz-tudo que vai arrumar, junto com a lâmpada da varanda.
– Amor, cê não vai arrumar o portão da garagem?
– O faz-tudo não veio. Essa gente é foda…
Moral da história, quando Cameron conseguiu o faz-tudo, o conserto custou US$500 milhões, pois tinha acumulado defeitos pela casa toda. Bigelow arranjou outro marido e uma casa nova por apenas US$11 milhões.
E um Oscar de melhor direção.

Por que Avatar Merece Ser Visto

A vida é feita de opções. James Cameron soube escolher todas elas com maestria.

1) Por levar 12 anos para ser feito, Avatar não foi originalmente produzido para ser projetado com recurso 3D. Mas confrontado com a tecnologia presente na maioria dos blockbusters atuais, Cameron soube usar o recurso como ninguém, mesmo aos 45 do segundo tempo. Os efeitos não tiram o filme da tela como é comum se esperar. Ao contrário, jogam o espectador para dentro dele. Há, principalmente, profundidade de cena ao invés de elementos que pulam na sua cara e passeiam pela sala de projeção.

2) Usar traços dos rostos dos atores nos avatares que eles controlam e nos na’vies em geral, os tornam mais carismáticos e humanos, gerando identificação imediata com o público.

3) Escolher uma história medíocre e recorrente (apesar de muito bem contada) foi decisão acertada também. O foco do filme é a experiência; é a inclusão do espectador em um mundo de fantasia no qual ele nunca tinha estado com tamanha adesão sensorial. A história não poderia atrapalhar. Enquanto estamos apasbacados com o visual, abrimos a guarda e nos deixamos levar pela lenga-lenga lugar-comum do argumento. Avatar não é um filme que se vê; é um filme que se sente. Você está lá. É a “mentirinha” mais real a qual fui exposto. Cameron precisava levar isso para as massas. E conseguiu.

4) Claro que eu torci o nariz para o blá-blá-blá ambiental explorado pelo roteiro, mas foi outro acerto. Não posso subestimar o poder de influência global de um filme como este. Se é para ser veículo mundial de algum tipo de mensagem, que seja por uma boa causa, além de bastante pertinente.

Avatar é revolução, é uma nova escola. O cinema acaba de mudar, bruscamente. Avatar é um temporal repentino. Se ainda estiver passando em 3D, corra pra ver. Provavelmente, não haverá outra oportunidade.