Impasse Providencial

Decidiu. Se mataria. Mas não sem uma nota de adeus. Algo que reconfortasse os seus. Iniciou:

“Suicidei-me pois já não…”

— “Suicidei-me”, não — pensou. Ainda não tinha o feito. Começaria mal faltando com a verdade. Precisava ser o mais correto e verossímil possível. Era imprescindível o mínimo de consideração com os sentimentos de quem ficaria. Começou de novo:

“Suicidar-me-ei pois já não mais…”

Paranoico com a língua, não abria mão da mesóclise, mas o verbo no futuro o inquietou. Ainda não tinha cometido o ato. E se não fosse eficiente? Se não conseguisse? Afinal, tratando-se de suicídio, os mais experientes e competentes só o fizeram uma vez e não o farão novamente. Tinha grandes chances de falhar e, outra vez, estaria incorrendo em inverdade com quem deveria ser sincero.

“Tentarei suicídio pois já…”

— Porra, que merda de carta póstuma isto vai ficar? Serei lembrado como um perdedor, ainda mais se fracassar.

Desistiu. Foi trabalhar.

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