Troca-troca

Escrevi para meus padrinhos. Foi baseado na realidade de suas personalidades, mas, claro, a história é ficção.

* * * * * * * * * * *

Ele não vai ao médico. Ela não faz lentilha. O impasse tem quase 10 anos.

Quando querem cutucar um ao outro, ela destrincha um discurso sobre a saúde dele, ele reclama que ela não prepara o prato que tanto gosta. Ela é cozinheira de mão cheia. Sempre uma receita nova. Não tem medo de ousar. Mesmo assim, ele não deixa passar: “e a minha lentilha?”. Aproveita o dom gastronômico da mulher e se farta. Os banquetes agradam-lhe à alma e ao paladar. Sedentário, a cintura e a pressão aumentam. “Luiz Antônio, não tá na hora de fazer um check-up?” Pronto! É motivo para fechar a cara e não se falarem por dias.

Certa terça-feira, ela teve uma ideia.

— Luiz Antônio.
Zzzzzzz
— Luiz Antônio!
— Ã, o quê? O quê?
— Tava pensando…
Cof, cof, rrrrrr… Ã… Fala.
— Quem sabe a gente faz um… troca-troca?
— Quê?
— Q-u-e-m  s-a-b-e  a  g-e-n-t-e  f-…
— Eu entendi essa parte. Mas que história é essa de troca-troca?
— Ué? Eu só tava pensando…
— Nunca fui homem disso, Maria Clara.
— Não seja por isso. Tu nunca foste homem nem pra ir ao médico…
— Ah, tá. Vai começar de novo?
— Tá, tá, tá. Calma. Mas eu tô falando sério sobre o troca-troca.
— Que isso, Maria Clara? Eu aqui trabalhando e tu me vens com sacanagem?
— Ai… Quase 40 anos de casamento e parece que tu não me conheces.
— Então, me explica. Me explica que eu já tô ficando nervoso com esse troço.
— “Troca-troca” assim: primeiro tu vais ao médico fazer um check-up…
— Eu falei para não falar disso.
— Então, não falo! Não falo mais nada! Cansei!

E ficaram uma semana sem se falar de novo. Só que ele não conseguia parar de pensar na conversa da esposa. Sempre foi um homem fiel, dedicado à família. Agora a patroa vinha com essas modernices. “Só pode ser a menopausa ou coisa parecida.” Por outro lado, já estava com mais de 60. Muitos de seus amigos divorciados contavam as vantagens em serem solteiros e voltarem à puberdade. Matutou alguns dias e decidiu aceitar a proposta. Afinal, teria a oportunidade de aproveitar os prazeres da vida na companhia de sua parceira eterna. Muito melhor do que qualquer outra opção que só os fizessem sofrer. Estava decidido. Iria encarar o tal troca-troca. Chegou em casa sexta à noite e a chamou:

— Maria Clara!
“Ué? Resolveu falar”, ela pensou.
— O quê, Luiz Antônio?
— Sabe aquela história?
— Que história?
— Do… Do…
— Desembucha, Luiz Antônio.
— Do… Do troca-troca.
— Ah. Sei.
— Pois é, eu pensei melhor e acho que pode ser legal.
— É mesmo?!
— É.
— Puxa, não sabes como eu fico feliz em ouvir isso!
— Quando podemos fazer?
— Quando tu quiseres. Só tenho que ligar e marcar.
— Eu já convidei o Paulão do shopping e a esposa dele.
— Quem?
— É… Ele ficou meio assim, mas acabou concordando.
— Ã… Tá.
— Gente finíssima. O Paulão é boa-pinta… Ela, mais ou menos. Mas aí, azar o meu, né? Ele convidou até mais um casal amigo deles. Não sei direito quem são, mas levo fé no Paulão.
— Quê?!
— Tá tudo combinado!
— Mas Luiz Antônio… Vais trazer quatro pessoas pra comer minha lentilha?
— Que lentilha?

5 comentários em “Troca-troca”

  1. Não é bem assim! Vou ao médico regularmente, mas ela tem que insistir três vezes. Quanto a lentilha, mesmo que eu peça duzentas vezes, ela não faz!
    Pronto, já fiquei brabo…..
    Luiz Antônio – Toninho.

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *

Este site utiliza o Akismet para reduzir spam. Fica a saber como são processados os dados dos comentários.