Vida de Pai

No final de outubro, a escolinha de minha filha resolveu comemorar o Dia dos Pais. Por causa da gripe A, a volta das férias de julho foi adiada e a tradicional festinha de homenagem também. Não é preciso dizer que, na ocasião, dei graças a Deus. Podia apostar que o evento não se realizaria! Mas aconteceu. Sou totalmente bicho do mato e antissocial, pra não dizer antipático. Nunca sei o que falar em situações assim e fico constrangido com a minha falta de papo e respostas monossilábicas. “Fosse na festinha do ano passado?” “Ã-rã!” — resmungo.

Conforme marcado, 16h30 de sexta, lá estava eu, sentado em uma cadeirinha de criança com outros 50 pais desconfortáveis. O atraso de meia hora não colaborava com minha lombar. Um pai ao meu lado, visivelmente contrariado, não parava de olhar o celular e, certa hora, aflito, resmungou: “Acabou a bateria! Acredita? Logo agora! Acabou a bateria!” Franzi o queixo e fiz cara de “que coisa…”, balançando a cabeça.

O evento começou com a coordenadora pedagógica (ou algo que o valha) proferindo um texto em homenagem a nós. “Pai, muito obrigado por existir, por brincar comigo… Por me dar segurança… Por me repreender quando é preciso… — blá, blá, blá — E por, toda tarde, voltares pra casa.” O quê? “Voltares pra casa”? Na mesma hora, fiz uma brincadeira: “não sabia que existia a opção de não voltar”. O esquisitão ao meu lado, ainda abalado pelo desfalecimento de seu telefone, perguntou: “o que ela falou sobre opção?”. Totalmente fora da casinha.

A primeira apresentação das crianças começou. Era o grupo dos pequenos. De um a três anos, aproximadamente. Tocou uma música do Tim Maia interpretada por Ivete Sangalo, em gravação ao vivo, cheia de tira-o-pé-do-chão, improvisações etc. Versão totalmente inadequada a esse tipo de apresentação. As crianças estavam estáticas, procurando os pais na plateia. Imagino que era pra dançarem e cantarem, visto que as “tias” faziam uma coreografia, agitando as mãos freneticamente e acompanhando a letra. Em seguida, foi a vez do segundo grupo, de três a cinco anos — o que minha filha fazia parte. Outra música do Tim Maia pela Ivete Sangalo, ao vivo — provavelmente do mesmo CD que pulava de tão arranhado. A canção era “Você”. O grupo mais velho tinha um pouco mais de desenvoltura e assimilou melhor os ensaios da semana. Todos cantavam: “não, não vá embora / vou morrer de saudade…” De novo?! “Que problema eles têm com os pais? Acham que todos vão se mandar, sair para comprar cigarros e abandonar a família? Que horror!” Fiquei chocado.

Mas o pior estava por vir. Depois de um slideshow não anunciado, que ninguém prestou atenção, exibido em uma desproporcional tela para o local, as tias fizeram um teatrinho. Esconderam-se atrás de uma janela e empunharam fantoches em meio à gritaria dos pequenos e desrespeito total dos pais, que conversavam como se nada estivesse acontecendo. Não consegui escutar uma palavra sequer do texto que era dito através pelos microfones do DVD-karaoke e reproduzido diminuto nas caixas de som da TV.

Minha mulher tinha alertado: “adivinha o presente superútil que vais ganhar?”. Chutei: “um cachimbo!”. Imagino as tias fazendo uma reunião de brainstorm para criar a festa: “Deixa eu pensar, deixa eu pensar… Pai… Pai… Deixa eu ver… Pai… Ã… Futebol… Gravata… Ã… Cachimbo… Chimarrão e… Churrasco!”. E é claro que tinha churrasco! Às 5h30 da tarde! Não é perfeito? Saí de lá me sentindo muito mais pai do que quando eu cheguei.

Brincadeiras à parte, esse tipo de evento é importante para as crianças e é por isso que eu fui. A escolinha é muito boa, só as tias são um pouco atrapalhadas. Só um pouco.

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