SAC Praia Vermelha

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Hoje fomos à Praia Vermelha, encravada entre Ouvidor e Rosa, ainda no município de Garopaba, SC. O lugar possui 480 metros de areia e é pouco conhecido pelos turistas, devido a seu acesso restrito a trilhas nos morros, tanto do lado de quem vem do Rosa, como do Ouvidor. É uma caminhada de cerca de meia hora, com trajeto bem sinalizado e cuidado, degraus e pontes bem construídos, inclusive com lixeiras, digamos, periódicas. A família Gerdau é dona de toda a área (há quatro casas) e enfrentou embates judiciais a partir da década de 90, pois mantinha fechado o acesso à praia. Reza a lei que praia é um bem público e deve ser garantido o trânsito livre a quem quer que seja. Os pescadores locais entraram com uma ação para garantir seu direito e, de quebra, o meu, de visitar um local tão incrível. Pelo que entendi estudando a respeito, os Johannpeter (pronuncia-se “Gerdau”) foram obrigados judicialmente a não só dar acesso como mantê-lo aberto e estruturado. Um pescador da família responsável pela ação nos disse que quem mantinha as trilhas eram quatro entidades locais, incluindo a tal associação. Não sei.

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Mas nosso amigo Beto, que nos levou lá, prometeu uma praia deserta e um quiosque onde poderíamos fazer nossa farofada e proteger-nos do sol. Chegamos às 10:30 da manhã, com a intenção de passar o dia. A trilha longa e o calor impossibilitavam que fôssemos carregados de cadeiras e guarda-sóis, mas o oásis ao final seria a recompensa. Quando avistamos aquele pedaço de paraíso, percebi que o termo “deserta”, hoje em dia, tem outro significado. Nos quase 500 metros de extensão, apenas umas 30 pessoas se banhavam no mar. Ninguém na faixa de areia, devido ao sol extremo. Avistamos o quiosque muito bem feito pelos moradores — único local com sombra — mas estava ocupado. Provavelmente, pensamos, tratava-se da família que passava temporada em uma das casas do lugar, pois estavam com certa infraestrutura de cadeiras, caixa térmica etc. Arranjamos um local mais adiante, um pouco dentro da mata, onde as árvores proviam certo conforto. Tomamos banho de mar mas, na hora de fazer nosso lanche, percebemos que só restavam duas pessoas no quiosque. Nosso amigo Beto resolveu checar. Foi até lá, com a cara-de-pau que eu gostaria de ter, e perguntou:

— Podemos compartilhar a sombra? Aquelas árvores soltam umas sementes e é desconfortável sentar ali.
— Claro que sim — respondeu o cidadão. Já estamos mesmo de saída.

Enquanto o Beto foi nos chamar, o casal pegou o rumo de casa subindo o morro. Deixaram umas 6 cadeiras — que, claro, não sentamos —, raquete de frescobol, brinquedos de praia e toda a tralha que usaram. Quando nos instalamos, logo apareceu um empregado chamado João Antônio, muito simpático, com walkie-talkie na cintura, que foi recolher os apetrechos deixados.

— Podem ficar à vontade. A praia é pública. Este quiosque foi feito pela família, mas está aqui para todo mundo usar.

Depois que o João saiu, encantados com seu bom-humor, presteza e com o que a família, a justiça e a associação dos pescadores estavam nos propiciando, soltamos a imaginação.

— Poderíamos os escrever para o SAC da Praia Vermelha e sugerir umas melhorias.

Para: Serviço de Atendimento ao Consumidor da Praia Vermelha

Garopaba, 12 de janeiro de 2014

Vimos por meio desta elogiar a hospitalidade e simpatia com que fomos recebidos nesta tão fabulosa praia. Com a intenção de contribuir com a melhoria dos serviços prestados, gostaríamos de fazer algumas sugestões.

Fazem-se necessários bancos. O quiosque possui duas prateleiras muito bem feitas, mas sentar é importante. Pode ser coisa simples, feitos de tábua mesmo; bem praia. Não precisa de muito conforto.

Percebemos que o João Antônio, seu criado, trajava um uniforme escrito “Verão 2013”. Tá desatualizado. Sei que a gente acaba deixando estes detalhes sempre pra depois, mas já faz dois anos. Convém dar um update. De repente até mudar a cor, para parecer mesmo que mudou. Essas coisas demostram capricho. É só um toque. #ficadica

Ele também nos mostrou o burrificador de vinagre que sempre leva com os apetrechos para tratar queimaduras de água-viva. Que louco! Não sabíamos dessa versatilidade do ácido acético. Aprendemos com ele! Só que levou embora. Tenho medo que me pelo de encostar num bicho desses. Seria tão legal deixar um frasco sempre à disposição no quiosque, né? Claro, que precisaria também ter um cartazinho com instruções, porque, assim como nós, muita gente não conhece este macete. Mas isso é bem fácil de providenciar. Só não esqueçam de plastificar, pois a maresia é terrível.

Percebemos também que o 3G não pega. Essas operadoras são de lascar! Prover internet wi-fi seria um diferencial significativo. Avaliem, avaliem…

Já pensaram em puxar um ponto de água de uma das casas? Uma bica de água doce seria providencial.

Sem querer extrapolar, penso que as dimensões do lugar sextavado não permite a distância ideal entre os pilares para a colocação de redes de descanso. Se ele fosse maior ou em forma de pentágono, já dava. Não cogitam reformá-lo?

Sem mais para o momento, agradecemos o tempo que passamos na Praia Vermelha.”

E Se Eu Não Pensasse “E Se”?

E se eu reduzisse a quantidade de leite ao invés de aumentar o Toddy?
E se eu misturasse cacau em pó no Toddy para ficar menos doce?
E se eu usasse só cacau e colocasse açúcar?
E se eu fosse diminuindo o açúcar até o ponto de ficar quase ruim?
E se eu diminuísse mais um pouco o leite, para ficar mais doce?
E se eu bebesse o leite só de dois em dois dias?
E se eu tomasse só no fim de semana?
E se fosse só uma xícara, daquelas bem pequeninhas?

E se tomasse do jeito que eu gosto, na quantidade que eu gosto, e começasse a fazer exercícios pra valer?

E se eu não fizesse mais exercícios e diminuísse de novo a quantidade de leite ao invés de aumentar a de Toddy?

Passagens

canstockphoto0232824Sábado. Vento norte. Porto Alegre, Aeroporto Salgado Filho, Terminal 2, terraço. Michel, 35 anos, observando a pista é abordado por um conhecido.

— E aí, Michel?
— Beleza, cara?
— Beleza.
— Tá vindo direto aqui?
— Não… Só aos sábados. Tô trampando.
— É… Eu também.
— Visse que o horário do Felipe passou para às 10h?
— Vi. Os pilotos estão todos refazendo a agenda. Deve ser por causa das mudanças dos voos, pra Copa. Mudou tudo.
— Deve.

— E o avião novo aquele?
— Legal, meu. Bem joia!
— Tem um ronco mais constante, puxado pro grave, mas com uns ra-ta-tás específicos… Sei lá. Trilouco.
— É. Um som lindo, diferente. Nem parece Boeing.
— Fotografei e mandei lá pro grupo. Colocaram na capa!
— Poxa, que tri!
— Ficou show mesmo. E os caras de São Paulo se puxam nas fotos, então, fiquei felizão!
— Vou ver depois. Ainda não entrei hoje.

— Tá boa a luz hoje, né?
— Céu de brigadeiro.
— É isso aí. Pode crer.

Meia hora depois, Michel senta em um banco, olhando para a pista. Uma senhora já de idade senta junto, na outra ponta, e não contém o entusiasmo.

— Olha, olha, olha…
— Subiu bonito, né?
— Uma pluma… Para um A330…
— É mesmo… A senhora está esperando alguém?
— Não, tô só a passeio. E tu?
— Também.


— Este voo é novo?
— É.
—Sabe que eu gostava mais na época da Varig, da Transbrasil, da Vasp…
— A Vasp era massa, né?
— Todas eram. Época boa que não volta mais.
— Era outro clima… Mas depois de toda a politicagem que fizeram…
— É?
— Pô, cheio de gente graúda envolvida e os caras tentando abafar os escândalos.
— Que coisa séria…
— E os funcionários chupando dedo… Sacanagem…
—Sempre estoura do lado mais fraco.

Ele levanta e, por uns 15 segundos, analisa o monitor de chegadas e partidas. Volta pro lugar.

— Eu agora tô juntando dinheiro…
— É?
— É. Quero ver se eu viajo também.
— Isso é uma coisa boa!
— É, né? Deve ser.
— É bom. É bom, sim.
— Pois é…

Por mais 15 minutos os dois ficaram olhando a pista, até decolar o próximo. O tempo começou a fechar. Michel novamente foi ver o painel de voos e a senhora foi embora. Não se despediram. O vento mudou para noroeste.

A Loja de Uma Coisa Só

Frederico Uribe

Quem nunca teve vontade de mudar radicalmente aquilo que faz como profissão; escolher algo totalmente inverso, que não tenha as complicações e implicações de nossos trabalhos diários? Eu já.

Em um desses meus devaneios, penso em abrir algum comércio especializado em um único tipo de produto. Por exemplo, uma loja focada em fósforos, ou em pregos, ou em pentes. Algo assim, à primeira vista, bem ridículo, mas que quando alguém precisasse lembraria direto como o melhor local para comprar. O nome seria bem objetivo, como “Casa dos Pregos”, “Só Fósforos”, “Cuca Pentes”. A Casa dos Pregos não teria parafusos, no máximo martelos. A Só Fósforos jamais venderia isqueiros. Seria contra nossos princípios. E a Cuca Pentes até poderia ter escovas, mas nunca tesouras, muito menos xampus ou secadores de cabelo.

E não é que passando de carro pela Andrade Neves, próximo ao Mercado Central, avistei uma “Só Cadarços”? Meus olhos brilharam. De imediato, o primeiro impulso foi pedir emprego. Já imaginei cadarços de todas cores imagináveis, em colunas cromáticas como uma imensa tabela Pantone. A realização do meu sonho de ser bibliotecário. Modelos fosforescentes, dourados, prateados, furta-cor, zebrados, onçados, tigrados, listrados, peludos, com LED e pilhas, que amarram sozinhos, elásticos, de nylon, curtos, longos, médios, médio-longos, médio-curtos, para cano alto, cano baixo, sem cano, folhetos explicativos com diversos tipos de nós, uma para cada ocasião. Não parei para conhecer, mas minha cabeça foi longe.

Visualizei meu primeiro dia de trabalho na Só Cadarços, 8h30, todo empilhado, pronto para atender o primeiro cliente:

— Tem cadarço?

É… Talvez eu não esteja ainda preparado para tamanha evolução espiritual.

Elza

Do alto dos 96 anos, Seu Amâncio vê o passado com olhos de quem não se arrepende de nada. Porém, às vezes, imagina se as coisas não poderiam ter sido diferentes; se um capricho do destino não teria mudado tudo de lugar e feito seu caminho quebrar para o lado oposto em alguma esquina. Seu Amâncio só cogita.

A família está reunida para o Natal e o velho quieto, em sua poltrona, vendo netos e bisnetos, pensativo sobre as questões de sempre. Hoje, é o Marcelo, de 16 anos, que lhe chama atenção. Está acompanhado da primeira namorada. Ela nunca veio. Novidade para toda a família. Até que o filho de Seu Amâncio, pai de Marcelo, solta:

— Coisa boa, né, pai? Primeira namorada…

Seu Amâncio só balança a cabeça concordando.

— Nessa idade, a gente sempre acha que encontrou o amor da vida. Depois, essa paixão toda passa.

E o velho ri com o canto da boca e faz um “sim”.

— Pai. Quem foi sua primeira namorada?

Seu Amâncio, pensa, pensa, respira fundo como quem diz “tá bem, então lá vai toda a história”, mas apenas fala:

— A Elza?

Ao escutar sua voz, todos calam para ouvi-lo. É um momento especial. Pensativo, lembra que diziam não ser boa moça. Mas ele não acreditara. Certo dia, deu uma incerta e foi a sua casa, sem avisar. Encontrou-a com outro no portão. Partiu-lhe o coração. Foi falar com seu pai e comunicou: “a partir de agora, nosso compromisso está desfeito”. Toda a família aguardando. Seu Amâncio parece inquieto, mas não deixa escapar uma palavra. Quando parecem desistir de esperar, o velho enche o peito e solta:

— Será que a Elza já casou?

Deu para perceber?

az60b[1]— Sala 3, 20h, “O Segredo de Sarah”, por favor.
— Uma entrada só, senhor?
— Sim. Uma só.
— O senhor não vai… ? É… Não vai… ?
— “Não vai” o quê, moça?
— Não vai querer?
— “Querer” o quê, menina?
— Aquilo?
— “Aquilo”?
— É… “Aquilo”!
— Desculpa. Não estou entendendo.
— Aquilo que muitas pessoas que vêm ao cinema pedem.
— Pipoca?
— Não, senhor…
— Coca-cola?
— Não.
— Você está me oferendo drogas, senhorita?
— Não! Claro que não, senhor… Deusolivre. Sou de igreja…
— Ah, entendi… Por isso esse mistério todo. Não está acostumada com papos objetivos, né?
— Senhor…
— Vamos logo, minha filha. Me dá o ingresso logo que a sessão vai começar.
— Sim, mas eu preciso saber…
— Ah, não… Tudo de novo?
— Senhor, quantos anos o senhor tem?
— 59.
— É?
— Tá duvidando?
— Claro que não, senhor. É que parece que o senhor tem mais.
— Parece mesmo?
— Um pouco mais, só. Bem pouquinho.
— Tipo, quanto?
— Ah, tipo, assim… Ã… Tipo, assim… 60.
— Deu mesmo para perceber, é?
— Ué? Mas o senhor não disse que tem 59?
— Na verdade, fiz 60 semana passada…
— Então, senhor… Não vai querer?
— Não! Eu não vou querer pagar meia entrada! Não vou querer! Merda!

Só É Medíocre Quem se Acha Medíocre

media[1]Então, você tem uma ideia.

E ela parece ótima, genial. Mas você não consegue “vendê-la”. E acha que ela continua sendo genial, mas que é você não está sabendo utilizar argumentos eficientes para “vendê-la”. Você chega a ser presunçoso a ponto de pensar que seus “clientes” é que não tiveram a capacidade de compreensão; que você está acima deles. Acha que precisa de “clientes” de um nível mais alto. Aí, você alcança um “cliente” de um “nível mais alto”, mas seus problemas pioram. E você começa a concluir que a sua ideia genial, na verdade, é uma ideia de merda. Afinal, se o cliente-nível-mais-alto também não está comprando, é você, definitivamente, que está errado. Mas você se lança outra hipótese: se a sua ideia não parece medíocre para você, se ela está suprindo suas expectativas enquanto profissional, pessoa, gente, empreendedor, espírito, missionário, significa que está fazendo algo bom a você, algo que te faz bem, te deixa feliz e em paz consigo mesmo — sensação do dever cumprido; tudo que você quis na vida; o motivo de estar vivo. Porém, sem o respaldo da “venda”, da aceitação, você se frustra, não se retroalimenta, se acha ruim. Mas o que é ser ruim? Se você faz o seu melhor e o seu melhor lhe agrada, o que está faltando é encontrar alguém que “compre” a sua ideia e não a ache medíocre; que a valorize. Mesmo que esse alguém seja, teoricamente, “de um nível mais baixo” que suas expectativas. Se o melhor que você faz agrada a ele, se ele acha o seu melhor o melhor pra ele, vocês se acharam. Ele estará feliz e você estará feliz. Mas você deve se desligar totalmente da opinião dos outros “níveis” de pessoas que não compreendem suas ideias. Sejam elas pretensa e supostamente inferiores ou superiores.

Se o Latino é capaz de agradar milhões de pessoas, quem somos nós para dizer que ele está errado? Só estará errado, se estiver infeliz com o que está fazendo; se não for a verdade da sua natureza.

Telemarketing — A Vingança

vingança telemarketingTrim… Trimmm

— Ã… Ã… Alô…
— Bom dia! O senhor Carlos se encontra?
— (…) Como o senhor esteve conseguindo este número de telefone?
— Como, senhor?
— Senhor, o senhor está ligando para o telemarketing da Editora Abril. Como esteve conseguindo este telefone?
— Como assim, senhor? Aqui é do telemarketing dos cartões Mastercard, senhor. Este telefone estava constando da minha lista de prospecções. Por isso que eu tenho que estar contatando, senhor.
— Sinto informar, senhor, mas o senhor está ligando de um telemarketing para o outro. Eu não recebo chamadas. Eu faço, senhor!
— Que estranho, senhor.
— Sim. Nunca vi este telefone tocar.
— O meu também não toca nunca, senhor.
— Então, se o senhor estiver permitindo, eu vou estar voltando ao trabalho. Ainda tenho 20 contratos para fechar hoje para alcançar minha meta, senhor.
— Eu ainda tenho 34. Aqui é bem puxado, senhor.
— Bom trabalho. Até mais.
— Pro senhor também. Tenha uma boa tarde, senhor.
— Obrigado.
— (…)
— Não vai desligar, senhor?
— Eu não posso. Só o cliente pode desligar. Não tenho esta opção no sistema.
— Aqui na Abril também, senhor!
— E agora?
— Não sei. A gente tá pendurado.
— Puta… Que enrascada!
— Pior!
— Se a gente esperar um pouco, será que a ligação cai?
— Olha, não acho uma boa ideia, pois a ligação nunca cai em telemarketing.
— Na verdade, cai mais em SAC, né?
— É! Tive uma ideia!
— Hm. Fala.
— E se a gente transferir para o setor de cancelamento? Lá sempre cai a ligação.
— Eu não tenho como transferir daqui.
— Droga. Nem eu.
— Eu vou chamar o meu gerente e perguntar o que eu faço.
(…)
— E aí? Conseguiu?
— Putz! Ele não sabe. Nunca viu isso acontecer. Talvez se deligasse a central da tomada, mas todos os operadores iriam se desconectar.
— E agora? Eu tenho uma meta pra bater! Não posso perder tempo.
— Bom… Já que a gente tá preso… O senhor possui cartão de crédito? Trabalha com Mastercard?
— Não estou interessado.
— A tentativa é grátis, né?
— E a gente tá com uma promoção de assinatura da Veja. Assina por um ano e ganha três meses de Playboy. O senhor sabia que o hábito da leitura é responsável por conexões cognitivas importantes para o desenvolvimento da pessoa?
— Bom apelo! Mas Playboy eu vejo na Internet.
— Eu estou falando de desenvolvimento do cérebro e da Veja!
— Sei… Desenvolvimento do cérebro… Pior, por isso a Playboy tá quebrando. Todo mundo vê na Internet. Que promoçãozinha de merda, hein?
— Depois ainda querem que a gente bata a meta.
(…)
— Senhor, se a gente conseguir desligar, o senhor pode estar me atribuindo uma nota de zero a dez para este atendimento?

Corro

imageEu corro.

Ligo a torradeira antes de fazer o sanduíche. Depois, aqueço o leite enquanto a torrada esquenta.
Abro o chuveiro para aquecer a água enquanto tiro a roupa.
Aciono a abertura do portão enquanto estou manobrando para sair.
Coloco a água do macarrão para ferver (dividida na panela e na chaleira, para ir mais rápido) enquanto preparo o molho.
Vou colocando o cinto de segurança enquanto desestaciono o carro.
Tenho mania de fazer duas coisas simultâneas.
Instalo vários softwares ao mesmo tempo quando formato o computador.
Cuido o sinal ficar amarelo para quem passa e me preparo para arrancar.
Aviso que estou saindo de casa, a quem vai comigo, antes de escovar os dentes, para que estejam prontos.

Eu tenho pressa.

Posiciono as compras na esteira do caixa enquanto atendem a pessoa anterior. Vou empacotando enquanto a operadora registra. Pego o cartão de crédito da carteira quando faltam cerca de três itens a serem passados, para a moça não esperar.
Dou uma olhada no Facebook aguardando que a água do chá esquente.
Leio no banheiro.
Já tentei limpar o ouvido ao mesmo tempo que usava enxaguante bucal, mas me peguei girando o cotonete descoordenado.

Tenho pressa em tanta coisa besta, mas por outras eu posso esperar.

Saloon — Hair Design

imageÉ um salão de beleza chamado “Saloon”. Cabeleireiros, manicures, depiladoras; essas coisas. Todos vestem-se como no velho-oeste. Eles de chapéu de cowboy, botas, coldres. Ao invés de pistolas, secadores de cabelo, pentes e tesouras. Elas de vestidos com armação e mangas bufantes. A porta de entrada é de vai-e-vem, bipartida — “nhec, nhec, nhec”. Na sala de espera há mesas de bar. Na recepção, atrás do balcão, um barman de colete e tira preta no braço, como um croupier, serve uma dose. Ao piano, um tipo não-sei-de-nada-estou-aqui-por-acaso dedilha um tema de briga dos filmes do Trinity. Clientes têm coxo e vaga garantida para seus cavalos — mas quem vem montado? Na parede um cartaz “Procura-se” traz a foto de um tipo com mullets. Lava-se os cabelos em tinas de madeira perfuradas por balas. A cada por-do-sol, um duelo: a cowbiba da primeira cadeira enfrenta a bandida da última. O Saloon para para ver. De quem será o dedo mais inquieto e que disparará o secador primeiro? A vencedora fará o corte do bofe da cidade vizinha que vem de dois em dois meses cortar o cabelo. Você está no Saloon.