Os capitalistas de araque

bebida árabe arak

Me considero capitalista, mas alguns que encontro por aí me fazem ter vergonha do título.

Conta-nos o Google que o termo “de araque” vem da bebida árabe arak, com teor alcoólico de 80%, que propicia, em pessoas não acostumadas, grandes bebedeiras e falas repletas de besteiras. Daí a expressão brasileira que designa algo tão desacreditado quanto uma pessoa de porre.

Pois grande parte dos capitalistas brasileiros podem ser considerados “capitalistas de araque”. Vejam só: se o capitalismo é o sistema econômico baseado na obtenção de lucro, tudo que for contra isso não é capitalismo. Acontece que tem gente que se diz capitalista e vai contra o capitalismo.

Vejamos.

O capitalista real sabe que para conseguir continuar produzindo precisa zelar para que a fonte de sua matéria-prima não se esgote. Já o capitalista de araque acha que deve basear seu negócio em uma produção predatória, que vise apenas o resultado imediato e esqueça do horizonte a longo prazo.

O capitalista de fato entende que é preferível, em termos de esforços de produção, vender menor quantidade com maior lucro do que o contrário. O capitalista de araque prefere competir apenas pelo preço, e acha que valor agregado é só um termo batido guardado nos livros de marketing.

O capitalista inteligente sabe que quanto mais humanizadas forem suas relações empregatícias, mais engajados e felizes serão seus colaboradores; mais produzirão! O capitalista de araque não faz a mínima ideia do que é tratar os outros com respeito e ser um líder inspirador; usa a técnica do chicote e das metas produtivas insanas.

O capitalista de verdade sabe que para obter lucro é preciso consumidores com recursos financeiros; uma melhor distribuição de renda. O capitalista de araque acha que quanto mais pobres houver, melhor, pois poderá contratar força de trabalho mais barata.

O bom capitalista tem como objetivo entregar o melhor produto, fazer seu cliente feliz e, assim, gerar lucro recorrente. O capitalista de araque está interessado apenas em realizar vendas imediatas e baseia a qualidade de sua entrega no que o mercado está praticando, apostando em um formato de negócio fadado à morte.

O capitalista legítimo é um otimista, protege a vida, o meio em que está inserido e valoriza as pessoas, pois é isso tudo que fará a roda girar e gerará a crença no futuro, base econômica primordial para o aumento da riqueza. Para o capitalista de araque tudo está sempre ruim, ele nutre o ódio e pouco se importa com o ambiente a seu redor. Está sempre apostando que algo dará errado e se torna a causa da própria desgraça.

Há 24 anos, vejo capitalistas de araque por aí. Trabalho diariamente para ser um capitalista consciente, não só porque é a melhor forma de gerar lucro, mas porque é o jeito certo de fazer as coisas.

Festejar exatamente o quê?

Todos temos o direito de ter nossas crenças, estudá-las e disseminá-las, desde que essas não subjuguem ninguém.

Em 64, as crenças de alguns, seu estudo e disseminação (não importa se você discorda delas ou não) foram tidas como perigosas ao País. Então, usando isso como justificativa, aqueles que possuíam força militar apareceram em um ”acordo” com o governo para “proteger” a nação “pobre e indefesa”. Mesma justificativa que o nazismo utilizou duas décadas e meia antes. Alguns falam que as barbáries cometidas pós-AI5 foram para defender o país do comunismo. E batem palmas. Em meu parco conhecimento de história, não tenho informação de algum ato de violência desses ativistas de esquerda antes de 64. Mesmo depois de 68, quando centenas de mortes, desaparecimentos e torturas aconteceram por conta do Governo, não tenho conhecimento de mortes geradas por ações “terroristas” desses ativistas.

O fato é que acabou tudo na mão do Sarney.

Então, me pergunto, qual era o risco real que a nação corria que justificasse a entrada dos militares e uma ação tão violenta e inescrupulosa. A URSS estava enviando tropas? Cuba estava prestes a se infiltrar? Ou era apenas o medo que essas pessoas de esquerda convencessem mais pessoas a pensar como elas? Não é isso que fazemos diariamente aqui no Facebook? Não estamos colocando nossas ideias para que outros reflitam, concordem ou discordem? Sendo assim, os militares devem intervir no Facebook?

As Forças Armadas existem para defender os interesses da nação que, em uma democracia, são sempre os da maioria. Mas “defender” quando há iminente perigo que deva ser combatido com força bruta, não impor seu poder bélico para reprimir uma ideia.

Sou contra qualquer tipo de violência. Mas ainda mais àquelas que são ação e não reação.

Estamos, a todo momento, sendo julgados se somos de esquerda ou de direita. E você está fazendo isso comigo neste momento. Enquanto o nível de discussão e entendimento for este, cheio de preconceitos, ninguém vai escutar o que o outro tem pra dizer.

Meu papo de boteco preferido: Evolução

Evoluímos?

Há seis milhões de anos surgiu o último de nossos ancestrais humanos em comum com os chimpanzés. E isso nem é o ponto inicial de nossa espécie, se considerarmos a evolução humana um anel contínuo e não “dentado” — é homogênea e constante.

Durante esta trajetória, descobrimos o fogo, criamos ferramentas de pedra e começamos a nos organizar em pequenas comunidades, na maioria, nunca maiores que 50 indivíduos. Nossa rotina diária se baseava em sair para caçar ou colher pelas 8h30 e voltar para casa pelo meio-dia. O resto do tempo era só tranquilidade.

Nossa alimentação por milhões de anos foi baseada em grande diversidade, dependendo das espécies sazonais disponíveis e na oferta da natureza. Chegamos em nosso formato anatômico e biológico atual devido a esse comportamento e alimentação. Aqueles indivíduos que, por algum motivo, não compatibilizavam com o estilo de vida sucumbiam e os mais aptos se reproduziam. Somos frutos dessa evolução. E enganam-se aqueles que pensam que nossa expectativa de vida natural era pequena. A média poderia ser baixa, devido à grande mortalidade infantil e predadores, mas, considerando causas naturais, éramos bem longevos.

Até que há 12 mil anos aconteceu o que, talvez, tenha sido o maior divisor de águas de nossa história: a Revolução Agrícola. Compreendemos como produzir alimentos em larga escala e nossa alimentação foi ficando cada vez menos diversificada. Isso sem falar dos efeitos colaterais secundários, como aumento da carga de atividade para cuidar das plantações, instituição da propriedade privada, vínculos de trabalho, criação do dinheiro. Mas não é sobre os aspectos secundários que quero falar aqui.

O que são 12 mil anos se comparados aos seis milhões sob os quais nossos hábitos foram base de nossa evolução? Eu faço a conta para você: 0,2%! Ou seja, estamos praticando em nosso cotidiano uma alimentação atípica para a qual não fomos histórica e biologicamente preparados — e só vem piorando. Estou falando de praticamente toda a base de nossa vida: açúcar, álcool, inorgânicos (conservantes, corantes…), sem falar nos queridinhos-odiados do momento, que antes eram esporádicos e agora são os mais consumidos por nós: o glúten e a lactose. Sem mencionar também os hábitos físicos e mentais que mudamos drasticamente.

Não é papo de academia, de nutricionista, de revista underground com teoria da conspiração. É só olhar pra trás e raciocinar. Uma coisa é ingerir esporadicamente sal, açúcar, leite… Outra coisa é não comer mais nada além disso.

E como a gente não morre, então? A gente até morre. Mas nos últimos séculos a ciência e a medicina entraram em campo para nos salvar. É um tipo de evolução, mas diferente. O ser humano está manipulando seu próprio caminho evolutivo à revelia de Darwin, ou de Deus. Significa então que o ser humano não evolui mais? Eu não sei. A experiência observacional iria durar alguns milhões de anos para nos dar a resposta — a tecnologia avança muito mais rápido e muda nossos rumos antes que nossas células se multipliquem em uma direção definitiva.

Em contraste com a indústria da alimentação (ou trabalhando em conjunto, se preferirem), a medicina vem nos curando (ou nos mantendo reféns, se desejarem) dos males que criamos para nós mesmos. Repararam como, de um tempo para cá, os medicamentos que surgem não curam mais, apenas nos mantêm vivos com as doenças controladas? Será que as pestes que nos atingem estão ficando mais poderosas ou nossas indústrias precisam sustentar toda a cadeia criada sob elas? E isso também tem a ver com instinto e sobrevivência.

Eu não estou dizendo que isso tudo está errado. Eu não sei. Se olharmos sob o viés humanitário isso tudo parece muito do-mal. Se olharmos por um ponto de vista econômico, será que não é isso que faz a roda girar indefinidamente? Como estaríamos hoje se ainda caçássemos, colhêssemos, nos matássemos em disputas entre tribos? A gente ainda existiria? Seríamos mais felizes ou infelizes? A felicidade e a infelicidade existem?

Bugando a atendente no cancelamento da Sky

Vou cancelar minha TV por assinatura. Mas vai ser um parto. Vão tentar me convencer, de tudo que é jeito, a desistir. Irão perguntar o motivo, oferecer redução de valor, ponto extra, os cambau! Preciso ter um plano para não ficar horas no telefone. Vou dizer que minha religião não permite TV. Não vai adiantar. Vão tentar que eu troque de religião ou falar que isso não é coisa da jurisdição de Deus. Já sei: vou dizer que irei me mudar para o exterior. Não haverá argumento contra.

Já na ligação, sou surpreendido com a opção “cancelamento sem atendente”. Perfeito! Só que lá pelas tantas: “você será transferido para um atendente”:
— Olá, Daniel. Em que posso ajudar?
— Quero cancelar sem atendente.
— Ok, mas eu vou estar precisando conferir mais uns dados, ok?
Depois de muitas perguntas e confirmações:
— Posso estar sabendo o motivo do seu cancelamento?
De pronto:
— Vou me mudar para o exterior.
Senti, meio, que buguei a atendente. Ela hesitou um pouco, disse uns “ããss” e até esqueceu o gerúndio:
— Mas irá viajar quando?
Que desgraça! Eles tentam espremer até o ultimo caldinho!
— Agora.
— Mas tem data marcada?
— Sim, tem. É bem logo — Eu tentando evitar outra mentira. kkkk
— É em algumas semanas?
Meu Deus! Tava achando já que ela ia perguntar meu destino para saber se tem Sky onde eu vou e me oferecer uma migração internacional!
— Não. É de imediato!
— Ah, compreendo. Então, não tem nenhuma condição especial que eu possa estar lhe oferecendo, né?
Percebi nesse momento que hackeei o sistema!
— Nem de graça. Porque, realmente, não irei usar.
— Entendo.
Mas aí veio o que eu não esperava mesmo.
— E por acaso o senhor não tem um amigo ou familiar para quem o senhor possa estar transferindo a titularidade da assinatura?
— Não. É por isso que estou indo embora daqui. Me sinto muito sozinho.

Depois de mais de meia hora respondendo perguntas idiotas, me transfere para o setor de qualidade, onde me questionam tudo de novo e digo que não vou falar tudo outra vez. Ele insiste que o cancelamento ainda não está terminado e que preciso responder. Falo para preencher “não quero informar novamente”, mas tenho que me render às reconfirmações de endereço e telefones de contato, sob pena de não completar o processo no sistema.

Meia hora depois, parece que consigo. Vamos aguardar as cenas dos próximos capítulos; da retirada do equipamento.

Diálogo Esquizofrênico

— Oi. Tá boa?
— Tudo bem, querida?
— Viu aquele treco do Vilmar?
— Guria… Sabe que eu não…
— Nunca imaginei uma…
— … acreditei naquilo. Porque ele…
— … coisa dessas. Ele era mais…
— … parecia tão, tão…
— … novo que o Oscar. Mas estudaram…
— … feliz. E depois, aquela coisa toda da mulher dele que…
— … juntos quando ele rodou de ano, lá no Colégio São…
— … passou por tudo aquilo. Isso tudo me dá…
— … Francisco de Assis.
— … muita pena. Muita pena dos filhos…
— É. Muita pena mesmo.
— Então tá, tchau.
— Bom falar contigo. Beijo.
— Beijo.

Tem gente que conversa assim. Vai entender…

A Ira de Dona Neide

É difícil um padre jovem durar mais do que três ou quatro anos na mesma comunidade. Não sei por quê. Onde Seu João e Dona Neide vivem não é diferente. Casados há mais de 60 anos (ambos já estão quase nos 90), são extremamente ativos. Moram há 12 no mesmo lugar e já viram três sacerdotes assumirem a igreja que frequentam. O anterior acabou se juntando com uma fiel quarentona, formosa e endinheirada — “Ah, o amor! Esse sentimento lindo capaz de tirar um homem de Deus do seu caminho!” Uma verdadeira decepção para Dona Neide, que confiava cegamente naquele homem. Seu João apenas balbuciou: “É… fazer o quê?” Mas as coisas sempre podem melhorar. Depositam agora toda a fé e confiança no novo substituto e discípulo do Senhor, o Padre Marcos.

Criados com os fortes hábitos religiosos da primeira metade do século XX, quando a missa era em latim e nem sabiam o que entoavam, Seu João e Dona Neide são hoje uma espécie de resistência católica. A juventude não dá mais bola para igreja e, quando faz, costuma pender para o lado evangélico. Quando não podem ir ao culto por algum problema de saúde, o padre vai à casa do casal; atende a domicílio. Digamos, “benção delivery” — é, a igreja tem que se reinventar. Ele dá a comunhão e, claro, aproveita para filar um café da manhã lá pelas 10h, porque ninguém é de ferro. Isso acaba atrasando o almoço, servido costumeira e pontualmente sempre às 11h30. Mas para Seu João, a presença do Padre é mais importante que o horário da refeição e que os remédios que precisam tomar antes de comer. Padre Marcos é o símbolo máximo da devoção que têm a Deus. Não dão tanta bola assim nem para o Papa — “ainda mais agora que parece que é um argentino, vê se pode”.

Todos sabem da dificuldade que um sacerdote enfrenta em uma nova comunidade. Seu João e Dona Neide mais ainda. Além de, geralmente, estar em “início de carreira”, recebe do anterior a paróquia na pindaíba, tanto financeiramente quanto em número de fiéis descrentes. O trabalho é dobrado e o dízimo escasso. Esses cafés da manhã e almoços nas casas das famílias locais acabam sendo divinamente providenciais. Não é só pelo alimento que nutre o corpo nem pela companhia que revigora o espírito, mas é o momento em que o pároco pode chorar suas mazelas aos velhinhos devotos e conquistar um pouco de sua compaixão. Já imaginaram um padre, sozinho em uma nova cidade, sem ter uma máquina de lavar roupas? Dona Neide chega a suspirar de pena — houve épocas da vida em que teve duas simultâneas, para dar conta do serviço! Mas Seu João não deixou por menos e deu ao Padre Marcos a bendita máquina de lavar. Agora, sim, ele pode dedicar-se mais à pregação da Palavra e está sempre limpinho, cheiroso e bem apresentável. Seu João também já presenteou-o com um forno de micro-ondas, não para a paróquia, mas para seu uso pessoal. Alguns boletos vencidos em nome da igreja também foram pagos por Seu João e, por vezes, um filho interceptava ligações de cobrança de dízimos para a casa do casal. A família, desconfiada de tamanha gastança, se pôs a investigar. “Mas é tudo em nome de Deus”, alegou Dona Neide.

Um dia, padre Marcos resolveu marcar uma janta. Na casa do casal, claro. Certamente traria um vinho, de missa, para ser gentil. O casal preparou sua melhor receita, colocou à mesa sua melhor louça — aquela que só padre merece. Dona Neide fez seu sagu supremo, elogiado por toda família. Não foi trabalho simples: ela precisa de andador para se locomover com um pouco de autonomia. Estava marcado para às 18h30. Já eram 19h30 e nada do Padre Marcos aparecer. A filha, de passagem, se deparou com aquela mesa linda, como não havia visto nem no batizado da neta mais nova, e questionou. “É que o Padre vem jantar, mas está um pouco atrasado.” Já eram 20h.

— Vocês não vão ligar pra ele?
— Calma, filha. Se disse que vem, ele vem.

Lá pelas 21h30, o sono batia. Resolveram telefonar. O Padre estava em Brasília, provavelmente com o Bispo. Havia esquecido o compromisso na capital e, coitado, não conseguira avisar os anciãos. Vossa Excelência Reverendíssima merece todo respeito e consideração. Pena que não sobrou um pouco para Seu João e Dona Neide.

Duas semanas depois, repetiu-se a mesma cena com um almoço agendado. Os filhos, já sabendo das histórias, não pouparam críticas ao comportamento ingênuo dos pais. Inclusive, em uma missa delivery, para a qual toda a família estava convidada, nenhum apareceu nem para agradar os dois, tamanha a restrição que estavam nutrindo pelo agente de Deus.

Dona Neide — como se ela é que devesse desculpas a Padre Marcos — ordenou ao marido que a ajudasse a preparar uma quantidade enorme de cueca-virada, de modo a encher um pote plástico, dos grandes. A palavra dela é uma ordem para Seu João, mesmo quando está cansado. Depois de uma tarde inteira preparando o doce regalo, foram à igreja. Após o culto, com um sorriso no rosto, entregaram ao pastor. Ele não se fez de rogado e comeu duas ali mesmo, sujando o hábito de canela em pó e agradecendo de boca cheia.

Mas mal sabia Dona Neide que logo, logo, Padre Marcos viria a ser seu maior desafeto. Não foi a exploração do dízimo exorbitante nem foram os presentes que aceitou em benefício próprio, também não foi o almoço nem o jantar nos quais simplesmente não apareceu. O que de fato fez Dona Neide lançar ao Padre toda sua ira e decepção teve a ver com as cuecas-viradas: ele nunca devolveu o tupperware vazio. E era dos grandes.

Um Segundo Governo para Fazer Concorrência

E se ao invés de elegermos um governo, elegêssemos dois? Seria boa a concorrência, não? Teriam que ser governantes profissionais, de carreira — como se já não fossem agora. Nossos impostos seriam rateados entre eles na proporção do uso que a população fizesse de seus serviços. Teríamos dois sistemas de saúde paralelos e usaríamos o que nos tratasse melhor. Existiriam aparatos educacionais distintos e matricularíamos nossos filhos no mais eficiente. A infraestrutura comum, como rodovias e ferrovias, teriam seus custos de administração compartilhados. Ou não! Poderiam existir a rodovia do governo A e a do governo B. Pagaríamos o pedágio na que atendesse melhor nossas necessidades. Poderia ter o governo que investisse mais em ferrovias e se tornasse logisticamente mais eficiente. Se houvesse duas polícias e duas justiças, elas seriam remuneradas de acordo com sua performance. Teríamos um custo total mais elevado para manter dois governos? Não acredito que fosse maior do que o atual custo-Brasil, que financia a corrupção incrustada em todas as esferas governamentais. Sem dúvida haveria uma guerra entre os dois, ou uma civil entre os adeptos de cada um. Mas isso já não existe hoje, de uma forma ou de outra?

Manisfesto ao Estranho

weird-eye[1]O estranho não é ruim. O estranho não é bom. O estranho só é diferente, incomum, não ordinário. Se prestarmos atenção, qualquer establishment já foi moda, foi tendência, foi estranho. Depois de estabelecido, pode até sucumbir a outro modismo, que foi tendência, foi estranho, foi ideia maluca. Isso é reinvenção.

O estranho enriquece nossas vidas, cutuca nossa realidade, nossos preconceitos, nossas burrices. O estranho é inusitado, quebra a rotina, realiza sinapses, enriquece social, cultural e espiritualmente.

A geração antiga sempre questiona os hábitos da nova, sem lembrar que a expressão de sua época também fora questionada por ser estranha, e antes ser ideia maluca, ser lampejo. Esses conflitos de gerações acontecem nas artes, nos comportamentos sociais, nas crenças, nas relações interpessoais: “Antigamente é que era bom!”

Só pelo fato de não ser comum, arrisco em me contradizer: o estranho é bom, sim! Pelo menos, até que provem o contrário. Só por trazer mudança, desconforto, questionamentos, o estranho já vale.

Por que as pessoas são tão fechadas ao estranho? E, então, por que alguns investem tanto no estranho se muitos preferem o conforto do convencional, que antes foi moda, foi tendência, foi estranho, foi ideia maluca, foi lampejo, foi observação. Eles são chatos ou loucos? São gênios visionários ou pseudointelectuais? São bobos? Não há nada errado em se emocionar com as mesmas coisas, os mesmos filmes, as mesmas músicas, o mesmo padrão de roteiro que se repete a cada blockbuster, a mesma estrutura musical que permeia as mais ouvidas. O problema é não estar aberto ao novo.

Quando nos depararmos com o estranho, não devemos desdenhar, mas observar, ser amplos, nos permitir. A menos que ele ofereça balas.

O Polêmico Comercial de O Boticário

gregorioO comercial para TV de O Boticário vem causando frisson nos últimos dias (ou seriam “últimas horas”?). Quem já assistiu e sabe da celeuma que se instaurou, pode pular para o próximo parágrafo. O filme publicitário é editado intercalando cenas de homens e mulheres comprando presentes, se arrumando em casa etc., como se aguardassem alguém. A construção do roteiro cria a expectativa de que haverá encontro dos casais no Dia dos Namorados. E realmente há. Mas o plot twist se dá na hora que percebemos que dois dos três casais são homossexuais, um masculino e um feminino. A trilha sonora é o instrumental da canção de Lulu Santos “Toda Forma de Amor”, mas a assinatura da campanha, apesar de graficamente usar cores inspiradas nas do arco-íris, não aborda o tema, dizendo “Entregue-se à tentação de Egeo” — a linha de produtos que está sendo vendida.

A iniciativa é linda! Em um mundo repleto de preconceitos de todos os tipos, é uma benção (se é que os detentores do direito de uso desta palavra me permitem “blasfemá-la”). Só que, claro, diversos ditos defensores da moral, dos bons costumes e da instituição familiar brasileira estão resmungando. E, por causa disso, recebendo tais “denúncias”, o CONAR (órgão de autorregulamentação da propaganda no país) precisa avaliar a situação e julgar se o comercial deve ou não ser retirado do ar. Não acredito que farão uma besteira tão grande.

Devido ao sucesso duplo da campanha (por seu próprio brilho e pelo buzz que o embate está causando nas mídias sociais), algumas pessoas levantam a hipótese de tudo ter sido planejado. Como publicitário, já me passou pela cabeça, várias vezes, criar propositalmente uma crise falsa e estúpida (como esta) contra algum trabalho meu, justamente para promovê-lo ainda mais e fazer o cliente posar de bonzinho. Ele sairia ainda mais fortalecido e com reputação de benfeitor injustiçado. Mas nunca levei a cabo por questões éticas óbvias. Sendo assim, é impossível não pensar na hipótese para o caso atual. O que me dissuade de acreditar nisso, não é genialidade da ideia, pois se até eu a tive, não deve ser tão brilhante assim. O que a torna improvável é o cliente aprovar a conspiração.

Só que as pessoas começam a conversar nas mídias sociais, a pensar (direito ou não) e chegam coletivamente à conclusão de que empresas que têm uma inciativa “corajosa” como essa devem ser valorizadas. Criam uma batalha entre a corrente retrógrada (que nem ousa se pronunciar no Facebook) e a superempresa que vai salvar o mundo do preconceito. E decidem que, mesmo sem gostar dos produtos da marca, consumi-los neste momento é uma forma de incentivo a tamanho ato exemplar de bravura. Artistas também começam a publicar seu apoio, como a foto postada no Instagram do ator Gregório Duvivier.

A campanha será exitosa. O Boticário venderá como nunca!

A partir de agora entra a parte o-que-tu-fumou? da minha abordagem, de onde pode sair, no máximo, um livro de ficção malsucedido. Outras empresas, surfarão na onda e darão representatividade cada vez maior às “minorias”. De repente essas “minorias” começarão a se sentir exploradas em excesso. Irão promover passeatas contra ao capitalismo selvagem que utiliza sua personalidade sem representá-las de fato. E todos sabem o que acontece quando há superexposição de algo, né? Deixa de ser cool e quem vale-se desse apelo sem legitimidade começa a ser mal visto, é repudiado no social media e tudo vira, de novo, o que era antes. Voltam a usar cachorrinhos e crianças na propaganda. Isso, sim, vai vender sempre.

O Discurso

SONY DSC— Ela pediu que você falasse amanhã? O Pato te adorava.
— Ã… Tá… Diz pra Dona Neusa que ela pode contar comigo.

Não sei o que estava sendo pior. A notícia fulminante, mas nem tão surpreendente, da morte do meu amigo Graciel — o Pato — ou o pedido de sua mãe para que eu falasse no funeral. Eu escrevia bem. Talvez ela tenha lembrado de mim porque eu e o Pato fazíamos um fanzine de motocross na adolescência. Eu redigia as matérias e o Pato diagramava. Será que leu o texto sobre o Rally da Colônia? Aquele ficou bom! O problema é que sempre tive certa fobia de me manifestar em público e agora deram-me a incumbência de ser arauto de algum tipo de consolo aos familiares e conhecidos de meu amigo de infância. Só tinha visto discursos fúnebres em filmes. Nunca presenciei.

Todo mundo sabia que o Pato não chegaria aos 40. Mas 24 certamente era cedo demais. Bebida, direção, drogas. Todo fim de semana era assim. Quinta, sexta, sábado. Às vezes até quarta. Eu havia parado de sair com ele justamente por causa disso. Conversas e conselhos não faltaram. Cansei de ser o chato. Todo mundo cansou. Pato era de bom coração, mas não aparentava. Só por isso eu ainda mantinha contato. Só que ele sempre teve essa ânsia autodestrutiva, essa coisa da diversão acima de tudo, sem importar o que custasse. Pato já caíra de moto três vezes, sendo que em uma ficou na cama, todo quebrado, por dois meses. Já fora levado algemado para a delegacia por porte de ecstasy e expulso do colégio por atear fogo nas cortinas da sala de aula. É claro que ele sempre tinha um isqueiro. No final, a gente não nem mais se via muito pessoalmente, nem nos aniversários dos amigos em comum. Ele nunca ia. Nosso último papo foi no Facebook. Me convidou para atravessar os Andes de moto. Nem morto!

Peguei meu caderno especial, para ocasiões especiais, para textos especiais. Pensei no que escrever. Não havia muito para falar sobre sua vontade de viver; não era exemplo para ninguém. Não dava para discorrer sobre como enxergava a vida; não seria inspiracional. Não podia falar da falta que faria; mesmo os mais próximos haviam se afastado. Pato não tinha nenhum talento a ser cultuado. Mal desenhava uma casinha com chaminé. Não sabia assobiar. Até no poker era um desastre. Eu não tinha o que dizer de Graciel Alves de Lima. Nadinha. Amizade que não se explica. O texto mais importante da minha vida, o tempo passando rápido e eu com writer’s block. Que chique!

O dia amanheceu nublado. Parece que em velório é sempre assim. Pelo menos nos que fui. Pouca gente apareceu. Dona Neusa consternada, a irmã blasé, o tio que só deve ter ido porque precisavam de um homem forte para ajudar a segurar o caixão. Não mais que 10 pessoas, incluindo o pessoal do cemitério. Meia hora depois que cheguei decidiram finalizar o velório e proceder ao enterro. Melhor assim. Claro que segurei o caixão, junto com o Xandão, o tio Murci e alguém de uniforme azul por perto. Pato estava bem magro, quatro deram conta tranquilamente. Antes de o colocarmos no cubículo em que passaria a eternidade, Dona Neusa fez questão de lembrar da incumbência que me dera.

— Creio que o Tom, amigo de Graciel desde os três anos de idade, tenha preparado algumas palavras para este momento.

Assenti. Fitei todos rapidamente. Seus semblantes eram uma mistura de vamos-logo-com-isso e incredulidade. “O que alguém teria a dizer sobre aquele jovem?” Coloquei a mão no bolso da calça, tirei a caderneta, cocei a nuca. Abri na página marcada. Com os olhos ainda baixos, fiz o que tinha que ser feito. Em voz baixa, mas audível, proferi tudo que era necessário:

— Eu te disse, Graciel.

Inserimos o caixão. O cara de azul lacrou com cimento e fomos almoçar. Já eram quase 12h.