Sempre pensamos que a tecnologia nos livraria do trabalho braçal e nos deixaria apenas no intelectual; que os robôs fariam aquilo que a gente não quer. Sempre houve teorias que diziam que a automação dos processos industriais tirariam empregos de pessoas. Outras diziam que apenas trocaríamos de função. Por exemplo, uma máquina de apertar parafusos em uma indústria de equipamentos eletrônicos tirariam o emprego de muita gente, mas criaria outros postos de trabalho para projetistas de máquinas de apertar parafusos, para recepcionista dessa fábrica, para serviços gerais, advogado, contador, transportadora, motorista, pneus, combustível, frentista… Enfim, é complexo calcular os impactos de uma inovação na cadeia econômica. Não sou daqueles que adota totalmente a crença sobre a redução dos postos de trabalho.
Mas aí chegou a IA, e a conta começou a ficar mais complexa, pois ela veio justamente para facilitar o trabalho intelectual; aquilo que a gente jurou que ia sobrar para fazer. Sem entrar no mérito da qualidade e adequação do que é produzido pelas ferramentas generativas, uma coisa é certa: elas estão ajudando a produzir conteúdo que exigia habilidade ou esforço intelectual grande. E sempre tendemos a valorizar esses feitos. Olhávamos para uma pintura e imaginávamos o ato de fazer, o talento do artista, contabilizávamos mentalmente o tempo que ele levara para produzir e todo o tempo pregresso de estudo e ensaios para conseguir chegar àquele ponto de excelência. Quando nos deparávamos com uma matéria jornalística, nos chamava atenção a narrativa que trazia dados e números comparativos para embasar uma ideia dentro do tema da reportagem.
Hoje, quando a gente é exposto a uma obra de arte, nos primeiros segundos pensamos: foi um trabalho artesanal de uma pessoa ou uma IA que o gerou? E na possibilidade de ter sido feito por IA joga nosso interesse lá embaixo. A mesma coisa quando o recheio de conteúdo de uma reportagem, que antes exigiria muita pesquisa, conhecimento prévio, fontes diversas, é trazido aos borbotões como em um show de pirotecnia para demonstrar repertório. “Foi feito por IA?” E em um instante o interesse pela produção (“humana ou artificial?”) se esvai.
Mesmo que a IA não possa ser chamada completamente de “criação”, pois se baseia em fragmentos de tudo que já foi produzido pela inventividade humana, será suficiente para atender os anseios do ser humano médio, que representa 99% do mundo.
A IA está facilitando muitos aspectos da nossa vida, mas trazendo um lado bastante triste e sombrio: a pasteurização e banalização da atividade intelectual e nosso interesse por ela.