Discutir religião?

Não sou nenhum tipo de teólogo, sociólogo, antropólogo ou sabe-se-lá-o-quê-ólogo para estudar as relações entre homem e suas crenças. Mas além da verdade absoluta de que a religião é o ópio do povo, algumas questões interessantes permeiam minha mente sobre esse tipo de comportamento humano, mais especificamente no que diz respeito às igrejas de massa.

As pessoas vão em busca de algo para si e nada mais — são mesquinhas. Isso se verifica quando vemos alguém pedindo a “Deus”, por exemplo, que o seu time de futebol vença um jogo, que não chova no fim de semana ou que alguém de idade, da sua família, não morra. Ora, se o seu time ganhar o outro vai perder. Se não chover para você passear no fim de semana talvez a agricultura seja prejudicada. Se seu ente não morrer, quem irá morrer no seu lugar? Ele viverá pra sempre? Todo mundo não pode viver para sempre. É uma dança das cadeiras. Se esse “Deus” para quem se reza realmente existisse, no ato, um raio fulminante cairia na cabeça de quem teve a cara de pau de pedir coisas assim.

Para alcançar o que procuram (salvação, lugar no céu, alívio a suas dores, sensação de consciência limpa) estão dispostas a qualquer tarefa, qualquer sacrifício, quaisquer gestos que sejam solicitados, menos o de não atrapalharem a vida alheia, terem respeito pelas opiniões divergentes as suas, comportarem-se como verdadeiros cidadãos em uma sociedade. Aí é que se percebe que ética e moral não andam tão lado a lado com religião como prega-se hipocritamente. Consciência não se lava com água-benta nem com sabonete de arruda.

São cegos seguidores — daí a perfeição do termo “rebanho” — já que não questionam nem desenvolvem raciocínio próprio e lógico sobre o que está sendo transmitido. Só seguem o pastor. Na maioria, são incapazes de interpretar, por si mesmos, os escritos que regem sua doutrina — são guiados pela visão de um sacerdote ou clero (nos significados genéricos dos termos) que muitas vezes divergem entre si em suas opiniões e pontos de vista. Ou seja, acreditam em uma verdade de ocasião.

Rezam sem saber o que estão dizendo (antigamente as missas até eram em latim), balbuciando palavras muitas vezes fora de seu vocabulário. Se seus murmúrios acalmam, condicionam ou unem as pessoas em torno de uma energia revigorante, é porque funcionam como mantras, pois ninguém presta atenção de fato no que fala.

Eu não sei se sou ateu. Às vezes me pego conversando em silêncio com alguém. Pode ser uma pequena chama de algum tipo de fé dentro de mim. Pode ser minha própria consciência. Mas não peço nada para mim. Não peço isso a ninguém, muito menos a esse eu-mesmo que me habita. Quando tenho vontade de pedir, não o faço; agradeço pelas coisas boas que tenho; peço pelo não-sofrimento gratuito dos outros, mas não tenho coragem de fazer o mesmo em meu nome. Será que acho que não mereço? Será que acho que outros são mais merecedores do que eu? Essa é a minha crença — acredito nas pessoas. Talvez isso seja minha cegueira, meu guia, minha incompreensão; minha religião, meu ópio.

O Primeiro

Algumas vezes, quando estou andando por um local mais ou menos remoto, penso que sou a única pessoa que pisou naqueles centímetros de terra. Não me refiro ao fato de ninguém ter estado lá, mas de não terem tocado o solo exatamente no mesmo local que eu. Viagem. É uma mania. Às vezes penso coisas assim. Claro que não se compara ao sentimento de alpinistas, mergulhadores ou astronautas. Esses, sim, são verdadeiros aventureiros que passeiam por locais realmente inexplorados. Talvez seja minha veia desbravadora pedindo para eu mandar tudo às favas (leia-se: “à merda”) e partir rumo à liberdade. Não. Acho que não. Não sou assim, definitivamente.

Mas nesse pensamento que me visita com frequência tão grande quanto a de minhas excursões exploratórias — ou seja, de cinco em cinco anos —, recentemente quebrei um de meus recordes imaginários. Só que dessa vez, tenho uma forte intuição que fiz algo inédito.

Saí de Pelotas às 4h da madrugada, em uma das noites mais frias do ano. A sensação térmica no sul do sul do Brasil estava na casa das dezenas de graus negativos. Depois de escalas e conexões em Porto Alegre, Campinas e Brasília, cheguei em Palmas (Tocantins) com uma temperatura, até agradável, mas acima aos 30ºC. Tive certeza absoluta que, dessa vez, eu era o único: o primeiro ser humano a usar ceroulão em Palmas.

Neve em Pelotas

Hoje nevou em Pelotas. Logo após ao meio-dia. Talvez não em todas as partes da cidade, mas, é certo, em muitas delas. Tá bom, tá bom! A neve nem chegou a tocar a superfície, mas, sem dúvida, existia a uns 200 metros de altura. Se Pelotas fosse menos úmida e mais alta teríamos o chão branco, como um merengue de sobremesa para nosso almoço de quarta. Olhei pela janela e lá caiam “pingos” espessos e leves, quase retilíneos, em velocidade reduzida e vindos de diferentes direções. Eram quase flocos. Com um pouco mais de “sorte” e menos densidade, a elite pelotense teria motivo europeu para tirar seus sobretudos do armário e, como verdadeiros pseudoparisienses que são, agiriam com normalidade e desdém pelo fenômeno meteorológico do qual fingiriam ser habitués. É claro que la societé pelotense mal sabe que em Paris neva (quase) tanto quanto em Gramado. Mas como nada disso aconteceu de fato, vamos pelo menos ficar com a imaginação, para poder falar mal de alguém, nem que seja um alguém-coletivo, que vangloria-se nos vidros traseiros de seus carros, de frequentar Punta de Leste. Vive la différence!

Clientes pacientes

Consultórios médicos sempre me intrigaram.

Já repararam como alguns “doutores” se sentem super-heróis ou pop stars inacessíveis? Falo especificamente do momento em que eles cruzam atrasados, pela sala de espera, para o primeiro atendimento. A maioria nunca cumprimenta. Passa reto. Quando o “próximo” entra em seu consultório, finge que está vendo a pessoa pela primeira vez (provavelmente, até está, mesmo) e é todo simpatia. Faz parte da magia.

E a pontualidade? Médico sempre atrasa. A gente marca hora mas nunca é atendido quando combinado. É incrível que as secretárias — que, no geral, ficam anos com o mesmo médico — não tenham a mínima idéia da média do tempo que ele leva em consulta normal ou revisão, nem do quanto seu chefe costuma atrasar sua chegada diariamente. Se tivessem, usariam a agenda de forma mais inteligente. Se você tem hora no final do período, pode estar certo que esperará muito para ser atendido. Mas muito mesmo. É aconselhável ligar antes ir para não perder tempo. Assim como ser um azulzinho, às vezes tenho vontade também de ser secretária de médico. :)

E os propagandistas de laboratórios farmacêuticos? Por que não é exigido que marquem hora? Passam na frente de todo mundo. E nem doentes estão. Claro que isso não acontece nos consultórios psiquiátricos, onde você é um pouco mais cliente do que paciente, pois cobra-se por hora e, aí, time is money. Lá os propagandistas não são atendidos fora de hora.

Há algumas semanas, fui consultar com um conhecido dermatologista. Meu horário era às 14:20. Já havia marcado no começo do dia para evitar contratempos. Cheguei às 14:19, como um perfeito e legítimo chato virginiano. Adivinha? “O doutor está atrasado. Tem 4 na sua frente.” “Mas como?”, indaguei. “A que horas ele começou a atender de tarde?” “A uma e meia.” “E ainda tem quatro na minha frente?” “Pois é. Sabe como é… O pessoal dos laboratórios tem preferência.” Meu sangue ferveu. “Ah, é? Tem preferência? Deve ser porque eles trazem brindes, né?”, ironizei. “Antes fosse… Hoje em dia é uma dificuldade arrancar uma canetinha que seja deles”, disse simplória a secretária. Tive que rir.

O Imbecil x O Chato

Entre os diversos tipos de imbecis, fiquei, recentemente, encucado com um deles. Já não é a primeira vez que esse vem ao meu blog me chamar de chato. Fiquei em dúvida se eu deveria ou não dedicar o meu tempo a um tipinho desse gabarito, mas como resolver o impasse estava tomando muito tempo (mais de 15 segundos) e eu achava que precisava de um novo post, resolvi escrever. Afinal, esse tipo de assunto deve ser comentado pois trata-se de uma dessas doenças do mundo e merece atenção, assim como o aquecimento global e o desarmamento da população.

Eu fico imaginando o que faz o imbecil procurar com determinada freqüência minha página se me considera um chato.

Opção 1 – a mais simplista: o imbecil é também masoquista.

Opção 2: ela acha o mundo inteiro chato mas meu blog um pouco menos, então, apesar adjetivar-me dessa forma, encara este espaço como um lugar de certo alívio. É como estar queimando a 300ºC graus e buscar um descanso aos 200ºC. Vai entender…

Opção 3: além de imbecil é, infelizmente, um vagabundo sustentado do pelo pai que, como não tem nada que fazer, fica entrando em blogs alheios para xingar anonimamente as pessoas.

Opção 4: ele não é um vagabundo, mas usa o seu tempo livre para ficar lendo o que eu escrevo, ao invés de estar com sua família ou amigos. Ah! Acho que descobri: ele não tem família e nem amigos, é claro. Ninguém gosta de se envolver com um imbecil.

Por outro lado, fico muito feliz de ser um chato. Aliás, está escrito no cadastro do perfil deste blog algo que eu digo sempre: “os chatos salvarão o mundo”. Só não sabia que eu estava com essa bola toda. :)

Detritos Cósmicos

Estou com medo de ouvir Frank Zappa. Conheço sua voz, mas não sei cantarolar nenhuma de suas melodias. É uma falta. Grave. Gravíssima. Das piores. Dezenas de pontos na carteira – de músico (que não tenho).

Comecei a ler o livro, organizado por Fabio Massari, em sua homenagem. Não tenho nenhuma música. Fico imaginando. Cada colaborador da publicação tenta me convencer que Frank é um gênio. Eles descrevem suas obras. Quero baixar todos os seus trocentos discos. Mas não tenho coragem. Estou com medo de começar pelo álbum errado. Será que existe algum “álbum errado”? E se eu não entender o contexto? E se eu não estiver preparado? Cadê o manual? Pensei em fazer um acordo comigo mesmo: não escuto nada, acabo o incrível livro – páginas totalmente parciais – e finjo, com toda a minha força, que sou fã do Mestre desde pequeno. Alguns o classificam como um Deus. Se assim o for, meu raciocínio faz sentido: não é preciso ver (no caso, ouvir) para crer. Mas sempre fui ateu. Tá bom, talvez semi-ateu. Fico confuso.

A capa do livro me convida. Ele está olhando pra mim. É um chamado. Estou com medo de Frank Zappa. Alguém me ajuda?

Garçon…

Por favor, uma água. Sem gás. Sem gelo. Sem limão. Sem açúcar. Sem ser diet. Sem sal. Sem pimenta. Sem alface. Sem cebola. Sem bacon. Sem ovo. Sem maionese. Sem borda recheada. Sem azeitona. Sem camisinha. Sem pintura metálica. Sem vaga na garagem. Sem abas. Sem cara de nojo. Sem reclamação. Sem má vontade. Sem glúten. Sem demora. Sem erros. Só uma porra duma água! Sem cuspe. Só água!

Linhas

Um passo curto, outro comprido, outro comprido, outro comprido, outro curto de novo. Não havia forma correta. Dependida da calçada; do piso do lugar. Não pisava nas linhas do chão. Caminhava irregular para não apoiar o pé, por um piscar de olhos que fosse, sobre uma emenda de calçada. Mania comum. Boba. Coisa de criança. Tinha que fazer e fazia desde sempre e pronto. Apenas não pisava. Não sabia exatamente o que aconteceria se quebrasse a regra que ele mesmo havia criado, mas muitas vezes imaginava. Uma só linha pisada e o chão ruiria sob seus pés. Cada erro poderia ser um dia a menos na vida de alguém que amasse. Morreria um urso panda – que já eram poucos, ele sabia, e os achava bastante simpáticos. Cada rejunte pisado apagaria uma das linhas das palmas de sua mão. Lembrava sempre dessa nos momentos que não conseguia pensar em nenhuma nova. Era da que mais gostava. Quando perdia o foco da regra e encostava em uma linha, por pensar em outra coisa, como olhar para os lados para atravessar a rua ou encher a boca d’água com a carrocinha de picolé, checava rapidamente as mãos para ver qual a linha havia desaparecido. Muitas vezes não sabia certo o lugar de onde alguma teria sumido, mas imaginava. Em outras, tinha certeza: “havia uma linha bem aqui, eu sei”.

Se algo desse errado na vida, se alguma coisa que esperasse muito não acontecesse, lembrava da calçada exata onde tinha cometido o erro e da linha em sua mão que havia apagado. Chegou a pensar em consultar com freqüência uma profissional de quiromancia, para saber melhor a que se referiam as linhas que haviam sumido. Mas não fez. Não acreditava nessas coisas. Preferiu tirar cópias de suas palmas na copiadora do escritório. Registrava uma imagem de cada uma por dia e pendurava na parede do quarto. Assim poderia aferir visualmente o resultado de suas falhas, de suas distrações, e a quantidade de acontecimentos que ainda estavam por vir. Quando acabou o espaço nas paredes do quarto, teve que iniciar na sala. Planejou que o próximo cômodo seria o banheiro. As palmas estendidas nas paredes davam impressão que pessoas estavam presas atrás dos tijolos, empurrando, tentando sair.

Aos poucos, tinha uma explicação para cada expectativa frustrada, cada plano desfeito, cada dia monótono. Os dias, os meses, os anos passavam e as palmas dependuradas foram ficando cada vez mais lisas como as plantas de seus pés. Parecia um papel de parede degradê; do escuro pro claro; de cima a baixo, da esquerda para a direita. Sua vida também ficava cada mês mais vazia. Nos finais de semana, quando não ia ao escritório e não tirava cópias das mãos, analisava suas palmas o tempo todo e comparava-as com as imagens da sexta-feira.

Já era fácil contar quantas linhas restavam. Queria guardar uma para encontrar o amor da sua vida, outra para fazer um filho, outra pedir demissão do seu emprego, outra para ter muito dinheiro – mas só o suficiente para não se preocupar mais com isso –, outra para fazer parar as guerras (ou será que para isso o correto não seria guardar, mas apagar uma linha?). Todavia restavam poucas e algumas realizações consumiriam, sem dúvida, muito mais do que uma delas. Achou melhor pensar em destinos menores, que consumissem menos linhas. Queria uma linha, então, para ter um aeromodelo, outra para tomar um café na sua esquina favorita, outra para que seus amigos estivessem lá, outra para um abraço apertado em alguém, outra para ir visitar sua mãe no Natal e outra para dar adeus.

Acordou, olhou pela janela e percebeu que a cidade estava vazia. As linhas em suas mãos já não eram suficientes para que as pessoas fossem às ruas. Saiu para ver. Os carros não andavam, as nuvens não passavam. Havia pássaros caídos, com as asas abertas, como que congelados entre uma batida de asas e outra. Alguns sinais estavam abertos, outros fechados, outros amarelos. Mas não mudavam mais de cor. As vitrines exibiam televisões fora do ar. Os luminosos não piscavam, os ponteiros dos relógios não se mexiam e as árvores não dançavam com o vento. Ele nem mesmo soprava. Voltou para casa, tomando cuidado excepcional – com uma atenção que jamais havia tido – para não pisar em nenhuma outra linha. Dessa vez era fácil. Não havia semáforos para cuidar, sorvetes para salivar. Chegou em casa e não pisou no marco da porta, atravessou a cozinha na ponta dos pés, por entre as lajotas pequenas. Levou meia hora para cruzar o corredor, porque era de parquê. Deitou de lado na cama e nem se cobriu com o cobertor listrado, por precaução. Colocou o rosto próximo aos joelhos e fechou as mãos com toda a força. Quantas linhas ainda restavam? Talvez só uma. Preferiu não olhar.

A Vez do Zico

Tá certo que quando começarem os jogos do Brasil, provavelmente, irei pensar diferente. Mas eu não estou vendo graça no Brasil ganhar pela sexta vez uma Copa do Mundo. Eu gostaria de ver Togo ganhar, ou Portugal do Felipão. Melhor ainda, Japão do Zico. Zico é um cara muito pé-frio, coitado. Foi um grande jogador, mas nunca ganhou uma Copa. Jogou 3, fazendo parte, inclusive da melhor seleção do Brasil, a de 1982. Mas nem como assistente técnico, em 1998, ele deu sorte. E pior que já perdeu a primeira partida, contra a Austrália… Torço por ele. Ia ser legal vê-lo campeão do mundo. Zico merece.