Sobre fraldas, cerveja e votos

Você já ouviu falar em data mining ou mineração de dados?

Consiste em pegar um banco de dados gigantescos e disparar um software para buscar alguma tendência de ocorrência que se sobressaia às outras.

É muito usado no marketing para encontrar comportamentos do consumidor de determinados varejos, por exemplo. O caso mais clássico, que se usa em toda palestra de negócios sobre o assunto é o das fraldas e da cerveja.

Através da mineração de um banco de dados enorme que trazia informações de tickets de compras de uma rede de supermercados, se descobriu uma alta incidência de cupons fiscais que continham, ao mesmo tempo, fraldas descartáveis e cerveja. De posse da informação curiosa, o departamento de marketing da empresa conseguiu criar, estrategicamente, ações promocionais que se aproveitassem dessa predisposição de parcela dos consumidores. Então, caminhos estratégicos foram abertos, como: fazer um ponto extra nas lojas onde fraldas ficavam posicionadas ao lado de cervejas, anunciar promoções com os produtos próximos em um folheto de ofertas, negociar com os fornecedores desses itens melhores preços, tendo em vista promoções combinadas que aumentassem as vendas etc.

Apesar de todos ficarmos nos perguntando “por que, diabos, essa conjunção de fraldas com cerveja tinha uma incidência fora da curva?” — e, certamente a gente consegue imaginar alguns motivos — a resposta importa muito menos do que o fato em si. O universo está cheio de coincidências inexplicáveis. Nem tudo é uma teoria da conspiração ou acontece sempre de forma aleatória e bem distribuída em um universo de grandes proporções.

A Natura, gigante dos cosméticos e do marketing de rede, tem servidores de dados rodando 24 horas por dia softwares de mineração de dados. Todas as decisões estratégicas passam pelas descobertas em seu big data. O programa sai procurando ocorrências fora da curva, como, por exemplo: o hidratante X é mais vendido por consultoras com a idade acima de Y; as vendas das consultoras com domicílio do bairro Z têm menos problemas de entregas; as consultoras que se chamam “Maria” ficam menos tempo na empresa do que as demais. Imaginem a quantidade de informações que podem — e são! — usadas diariamente para tomadas de decisão dos gestores de todos os setores.

Uma empresa de mineração de dados, poderia, hipoteticamente, pegar o arquivo dos resultados das 400 mil urnas das últimas eleições brasileiras, colocá-los para minerar e descobrir, por exemplo, que um candidato teve mais votos do que ele mesmo nas seções cujos números acabam com “2” (102, 42, 252…). Ou que seu concorrente teve mais votos nas cidades cujos nomes são compostos por mais que uma palavra, como “São José do Oeste”, São Paulo”, “Passo Fundo”… Deu pra entender a infinidade de tendências de “coincidências” que um sistema de mineração de dados pode encontrar em um gigantesco banco de dados?

Quando se faz um estudo científico, sempre se parte de uma hipótese. É a partir dela que o processo se desenrola. Pode ser chamado de pseudociência, quando um dos muitos itens do método científico é descartado para induzir o estudo ao resultado que se pretende. Tentar encontrar indícios que sua hipótese está correta é fácil. A verdadeira pesquisa isenta deve ir atrás também de encontrar dados que provem que a sua hipótese está ERRADA. Essa é a principal armadilha em que os cientistas, ou pseudocientistas, caem. É difícil se distanciarem de suas paixões, de suas crenças prévias. As pessoas ficam cegas quando entram dispostas apenas a enxergar o que desejam enxergar.

Inventaram o conceito de urna audtitável e não-auditável para colar na opinião pública o resultado da mineração que mostrou uma tendência em determinados modelos mais antigos. Todas usam o mesmo software, que foi disponibilizado publicamente à análise de profissionais inscritos. O software é previamente auditável. O padrão se da em todas as regiões, menos na… Sul. “Ah, mas há de ter uma resposta plausível pra isso!”

Inventam que seções inteiras desaparecerem da listagem do TSE, quando se sabe que, de fato, houve a unificação de dezenas de milhares delas. Eram 473 mil e foram pouco mais de 400 mil agora. E vai reduzir mais.

Inventam uma narrativa sobre as 144 urnas nas quais houve 100% votos para Lula, quando em 2018 havia mais ainda para Haddad e ele perdeu. Urnas de comunidades, tribos, onde é perfeitamente plausível que haja uma adesão total contra Bolsonaro, que profere publicamente palavras de ódio contra eles. Não representam poucos milhares de votos. Mas é isca perfeita para pessoas que estão sedentas por confirmar suas crenças.

Tios, pais, avós aliciados pelas estratégias doentias do clã, sendo usados como massa de manobra, sofrendo sequelas psicológicas permanentes. Estão sendo afastados de seus familiares, achando que estão salvando o país.

Não é assim que salva um país. Se salva o país votando direito. Mas o Brasil preferiu o “voto útil”. Esse impasse entre os candidatos com as maiores rejeições vai continuar por muitas eleições.

Proposta alternativa de processo eleitoral

O segundo turno foi inventado justamente para que as pessoas escolhessem seu melhor candidato no primeiro, podendo definirem entre os mais votados no segundo. Parece boa a lógica, só que na prática dá errado.

Dá errado porque o ambiente polarizado e as pesquisas convencem as pessoas de que devem usar o critério do segundo turno já no primeiro. Com isso, elas deixam de votar em quem realmente gostariam de eleger, para escolher entre os dois primeiros nas pesquisas. É o tal do “voto útil”. Uma dissonância cognitiva coletiva que conseguiu colocar na final do processo eleitoral para a presidência do Brasil em 2022, os dois candidatos com maior rejeição entre todos. Se isso não é uma estupidez, não sei o que é.

Como gosto de bolar estratégias e mecânicas de funcionamento das coisas, venho pensando em vários formatos de processos eleitorais que poderiam resolver esse e outros problemas. Todos têm pontos negativos e, até mesmo, inviabilizadores. Alguns contêm boas doses de humor e ironia, apesar de não os tornarem ruins na essência. Vou citá-los abaixo para acompanharem o raciocínio.

MODELO INVERSO

O eleitor deveria escolher alguns candidatos que, definitivamente, não quer como governante.

Pontos positivos: é fácil de entender e descarta que os com as maiores rejeições vão para o segundo turno.

Um dos pontos negativos é que pode gerar confusão: “é pra escolher o que eu gosto ou que eu não gosto?” Outro é que pode ganhar um candidato que não fede nem cheira, mas certamente seria melhor do que dois que cheirassem mal: o sujo e o mal-lavado.

MODELOS ORDENADOS

Existem várias possibilidades aqui, mas juntei em um tópico só. O eleitor poderia posicionar em ordem de preferência. A pontuação de cada um seria inversa a de sua colocação. Outra opção seria distribuição de pontos. Ex.: você tem 10 pontos para distribuir por, pelo menos, três candidatos e nenhum deles poderia ganhar mais do que seis…

Pontos positivos seriam, obviamente, a classificação por preferência. Imagina que um hipotético candidato fascista de direita teria maior pontuação de quem acredita que ele não é fascista (ou que acredita, vai saber). O candidato fascista de esquerda idem. Mas o segundo melhor candidato para ambos os lados talvez ganhasse mais pontos do que os líderes dos extremos.

Ponto negativo, obviamente, é a complexidade. Povo mal sabe apertar meia dúzia de botões coloridos, imagina distribuir pontos. Talvez a solução fosse descobrir uma interface quase infantil para isso: ligar as colunas, arrastar e soltar em um pódio, sei lá…

MODELO BBB

Precisa explicar? A cada semana haveria um debate e uma eliminação. O candidato que sobrasse seria o eleito. Não precisa ter prova do líder, de resistência, big phone, ou mesmo sortear carros aos candidatos. Mas seria legal ter um candidato-celebridade, como o Alexandre Frota. Brincadeira. E não deveria permitir outra forma de campanha tradicional. Seriam só os debates.

Como pontos positivos teríamos a chance de visibilidade dos mais desconhecidos, devido ao grande número de semanas, e um formato mais baseado em propostas. O custo baixíssimo da campanha para os cofres públicos também seria favorável, assim como a compreensão das regras do jogo, por se basearem em um programa de bastante sucesso na televisão brasileira.

O ponto negativo é que, talvez implicaria na mesma questão do voto útil — talvez o raciocínio fosse de ir eliminando todos os demais que não fossem os líderes de pesquisa. Outro ponto negativo é o incômodo e o custo de se ter que votar 15 vezes, sei lá. Seria ótimo que pudesse ser feito por aplicativo, mas traria outros problemas. Poderiam limitar o número de candidatos em cinco através de uma eleição prévia, quem sabe?

MODELO SEGUNDO TURNO TRIPLO

Talvez esta seja a melhor opção. Vão três para o segundo turno ao invés de dois. Sabendo disso de antemão, o eleitor teria mais coragem de não usar a lógica (ou ilógica) o “voto útil” no primeiro turno, pois teria uma segunda chance de consertar um mal maior. Assim, o candidato que talvez seja o menos rejeitado pela maioria poderia demonstrar a real força que tem e chegar na final empoderado e com chances mais reais.

É. Eu acho que essa é a melhor mesmo. E você?

Mídia Social: A Regulação do Bem (mesmo!)

Você já deve ter lido a respeito, visto documentários e, até mesmo, sentido na pele os impactos negativos que as mídias sociais causam na saúde mental das pessoas. Seja na dependência do like, do comentário, seja no recebimento incessante de informações em nossas timelines. As inspirações, virtudes, bizarrices e as opiniões das pessoas são derramadas misturadas em nossa cara segundo a segundo. Cada uma delas nos atinge de uma forma diferente — as polêmicas são as que nos tiram do eixo. Em época de eleição, por exemplo, as políticas entram de soco.

Se fala muito em ter alguma regulação sobre essa mídia. É um assunto bastante vasto e cheio de opiniões superficiais, como a própria característica das redes, que passam pelo tema liberdade de expressão etc.

Mas não é sob esse viés que quero falar. Quero apenas dizer que, sob o aspecto psicológico que me referi acima, algumas configurações, a gosto do usuário, deveriam ser obrigatoriamente oferecidas pelas plataformas.

O que você acharia desta ideia?

  1. Todas as plataformas deveriam adotar a categorização de cada post.
  2. Na hora de postar, seriam oferecidas automaticamente, através de inteligência artificial, tags para seu conteúdo. Por exemplo: esporte, política, artes, família, motivação… Enfim. No mínimo umas 10, categorizando e subcategorizando seu post.
  3. Se o usuário discordar das marcações sugeridas, ele pode remover e adicionar outras.
  4. Cada usuário também deve configurar em seu perfil quais assuntos não deseja receber, aqueles que não têm interesse ou não fazem bem para sua saúde mental.
  5. Caso perceba que alguém está postando fora da categorização correta, qualquer um pode denunciar.
  6. O autor do conteúdo denunciado é convidado a revisar suas tags.
  7. Caso atinja uma quantidade limite de denúncias (pode haver vários limites) sofrerá algum tipo de punição progressiva na plataforma, até alcançar um possível banimento.

O mesmo sistema — algoritmo — poderia ser oferecido para todas as redes sociais. Todos usuários aprenderiam seu funcionamento da mesma forma, tornando o uso trivial e a facilmente compreensível, seja no Instagram, Facebook, Tik Tok…

O que acha?

Meu cachorro fugiu

Dobrei na minha rua e, a uns 400 metros de casa, a Stela chamou minha atenção:

Olha! Não é o Luke?!

Luke é nosso cachorro. Um golden retriever de quatro anos. Estava se cheirando com um vira-latas. Tinha fugido quase chegou na estrada! Passei a direção para a Stela e desci do carro:

Luke! Luke! O que tu tá fazendo aqui?! Vem cá! — Me olhou mas não veio. — Luke, vem! Vamos pra casa! — E ele obedeceu.

Foi me acompanhando na frente (ou eu acompanhando ele, não sei). Parava em algumas plantas para marcar território. Cheirava outros cachorros que latiam nos portões. Algumas vezes tive que pegar pelo cangote e puxar para ele vir. Não está acostumado a andar na rua. Achei estranho que estava babando demais.

Quando chegamos em casa, minha filha, já sabendo da história:

Pai! Pai! Mas o Luke tá em casa!

Aquele cachorro era igual ao Luke — mas idêntico! Ele me obedeceu, arrastei pelo couro e trouxe para dentro do meu pátio, mas não era o Luke! Eu sequestrei o bichinho de alguém! Realmente, havia estranhado que não senti a coleira quando peguei pelo pescoço. Mas as semelhanças, tanto físicas quanto de temperamento, do jeito de andar etc., eram as mesmas. Só podia ser do mesmo canil.

Imediatamente, mandei mensagem para a Roberta, dona do canil, perguntando se sabia de algum outro golden que morasse perto da gente. Em 30 minutos a dona entrou em contato para ir buscar o fujão. Mandei fotos e rimos da situação.

A raça é pacata, vai com todo mundo. Uma personalidade, realmente, amável, tanto que o sósia permitiu que eu ralhasse com ele, puxasse pelo cangote, tirasse ele da frente da sua casa e o trancasse na minha!

Mas a situação não foi só pitoresca. Serviu para a reflexão: não reconheci meu próprio cachorro, mas tenho certeza que ele me reconheceria entre milhares de pessoas bastante parecidas comigo. Acho que não estou sendo um bom amigo.

(Na foto, o sósia, molhado da chuva e o Luke, se refrescando no verão.)

Tetris no currículo escolar

Toda vez que vejo um escorredor de pia ou uma máquina de lavar louça mal organizados, com mau aproveitamento do espaço e correndo risco das coisas caírem e quebrarem, eu fico de cara.

Sempre que vou dobrar em uma sinaleira que dá para o miolo da Avenida Bento Gonçalves, e os carros ficam mal posicionados, não dando espaço para todos que precisam se acomodar no mesmo lugar, me dá um troço.

Estacionamento então… O cara usa o carro estacionado de trás como base para parar o seu, ao invés de se guiar pela rampa (ou a esquina) que está à frente. Fica um espaço inútil entre seu carro e o elemento fixo da calçada, inaproveitável por ninguém. A rampa não vai sair do lugar, mas o Opala de trás sim! Quando acontecer, provavelmente caberão dois no lugar dele, porque, é claro, estacionou totalmente errado.

E é aí que percebo o que faltou para esse pessoal: jogar Tetris! Tinha que ser disciplina no colégio. Vital para a formação de um ser humano completo.

Sim, sou virginiano.

Tem nos camelôs por 20 pila.
Tem de graça pra jogar online, aqui.

Queimadura

Eles têm um calefator de dupla combustão. Uma gentileza, sem dúvida, para os clientes que vêm jantar com esse frio todo. Penso em sentarmos à mesa mais próxima para aquecer meus pés congelados, mas lembro das experiências com o que temos em casa. Já queimei as pernas algumas vezes me acomodando perto demais. Na hora não se percebe, mas dois dias depois a pele aparece vermelha, começa a escamar e faz casquinha. Uma violência que a gente não se dá conta. No mínimo, um metro de distância é o indicado. Vamos para a mesa ao lado.

Já estamos jantando quando uma família entra no restaurante e se encanta com o aquecedor à lenha. Sem dúvida não são daqui. “Vamos sentar nesta, que tá uma delícia! Aqui eles precisam disso, viu?” O garçom tenta orientar para que escolham outro lugar, mas, como se diz, “o cliente sempre tem razão”.

As duas mulheres do grupo ficam com as costas a um palmo do ferro quente. Está na cara que não vai dar certo. O funcionário, sem jeito, volta da copa e insiste outra vez. Relutantes, afastam-se uns 10 centímetros e seguem se aquecendo. A distância ainda é curta. Amanhã vão começar a sentir as consequências.

Estou naquele dilema: sei que devo tomar uma atitude mas fico com receio de como receberão minha abordagem. Como falar?

— Senhoras, estão muito perto do calefator. Vai causar uma queimadura que só perceberão depois.

Azar. Não é da minha conta. O garçom já orientou. Quem sou eu pra me meter? Ao mesmo tempo, sinto-me no dever.

— Boa noite. Eu tenho um desses em casa. Algumas vezes já me queimei sentando tão perto.

O prato deles chega. Não vou atrapalhar agora. Imagina fazê-los trocarem de lugar com o pedido já servido. Demorei demais.

Pago a conta e passo por eles.

— Mas essas picanhas vão ficar passadas, hein?!

Mentira. Não falei.

Beatles Get Back — Voltando de onde veio

Se eu tivesse um podcast, gravaria um episódio sobre o documentário Get Back dos Beatles. Se fosse um youtuber, subiria um vídeo. Se estivesse em um jornal, redigiria uma matéria, faria uma entrevista… Como não tenho nada disso, e os momentos sociais estão raros para filosofar em botecos com os amigos, escrevo este post. Tenho necessidade de colocar para fora tudo que senti assistindo, à espera de comentários complementares ou discordantes. 

Em primeiro lugar, é preciso contextualizar por que o lançamento de Get Back foi algo tão aguardado e está sendo tão comentado.

Os Beatles existiram por apenas 10 anos, em uma ascendência artística meteórica, que os conduziu de boy band a um grupo dos mais talentosos e inovadores que já houve. Foram 13 álbuns lançados, o primeiro em 1963, três anos após o nascimento da banda — da água para o vinho em sete anos! The Who, Pink Floyd, Led Zeppelin e Jimi Hendrix eram contemporâneos. Então, não é que os Beatles revolucionaram sozinhos o rock e que ninguém era inventivo naquela década, como há a tendência de se imaginar. A questão principal é o impacto que uma banda extremamente popular teve. Eles conduziram o gosto de uma geração de adolescentes de uma canção bobinha como “She Loves You” a patamares mais complexos e inventivos como “Eleanor Rigby”. A música pop experimentou algo que pouco se repetiu nas décadas subsequentes. Isso é marcante e incomum.

A contribuição artística foi tanta que, quando comecei a perceber a magnitude da banda — talvez pelos meus 15, em 1989 — já fazia quase duas décadas que ela não mais existia. Uma carreira de 10 anos, que completava 30 aos olhos de alguém de 15. Sua eternidade, ou perenidade, se apresentava. Não existia mundo sem Beatles mesmo depois de seu fim. E interpreto essa percepção só agora, quando vejo minha filha de 12, 50 anos depois que o “sonho não acabou”, impactada pela permanência estética, assistindo comigo ao documentário que acaba de sair no Disney Plus. Tenho a felicidade de ser contemporâneo dos integrantes do quarteto e, minhas filhas, dos dois que ainda restam. Isso é um privilégio que só meus descendentes terão a verdadeira dimensão, quando pensarem em mim, seu antepassado, e a reverenciada obra deixada.

O filme

Claro que um material audiovisual é fruto de decisões de roteiro e de edição. Supressões, emendas, cortes, deslocamentos, tudo isso tem o potencial de contar muitas histórias diferentes sobre o mesmo material bruto que, nesse caso, era vasto. Porém, como não tenho acesso ao restante das 60 horas de filme, só resta discorrer sobre o que vi e sobre a história que Peter Jackson quis contar. E aqui, vale uma filosofada: o que é a verdade senão a interpretação de cada um sobre o que ouve, escuta, vê, sente? E se ela depende disso, quantas verdades existem sobre cada microfato? A própria definição de “fato” passa a ser questionável. Então, vamos nos basear no que o mundo está nos entregando e, nesse caso, sob o meu ponto de vista baseado no do diretor.

O áudio e o vídeo

O filme já começa com Peter Jackson deixando claro que não houve vídeo para todo áudio disponível e, por isso, precisou cobrir alguns momentos com imagens não relacionadas. Imagino o trabalho que deu, pois, mesmo eu ficando nervoso com a falta de sincronia e tentativa de grudar um final de frase com uma boca se mexendo, sei que se esforçaram para fazer o melhor possível. Já editei materiais densos e conheço a dificuldade. Para os menos introduzidos ao processo, explico o que pode ter acontecido: rolo de filme não grava áudio. E, mesmo que gravasse como as câmeras de vídeo atuais, profissionalmente, sempre se tem uma equipe para o vídeo e outra para o áudio. Então, não sei se material foi roubado, estragou, se perdeu ou, simplesmente não foi registrado em conjunto. O fato é que áudios importantíssimos (e muito bem captados por sinal) precisavam ser usados. Eles já haviam, inclusive, sido lançados em bootlegs durante os anos. Os mais malucos já os conheciam.

O maestro

Paul McCartney se mostra realmente a mola propulsora dos Beatles, o cara que leva a banda nas costas. Claro que é um retrato do final da existência da banda; talvez John fosse mais propositivo nos trabalhos anteriores. Mas ali poderia estar em um momento novo de vida, com a Yoko; mais leve, tranquilo e deixando seu amigo conduzir as coisas. Os fãs mais ardorosos de John podem não ter curtido muito essa coadjuvância de seu ídolo, mas para mim, que sempre fui muito mais Paul, está tudo certo.

No primeiro episódio, enquanto conversavam sobre onde seria o show, e algumas ideias foram lançadas, Macca deu o tom. Disse mais ou menos assim “tem que ser em um lugar meio proibido, em que a gente comece a tocar escondido e a polícia venha nos tirar, como no Senado”. Acabou sendo no rooftop, exatamente dentro desse espírito.

Harrison

A discussão com Paul (muito polida, inclusive, a meu ver), que fez com que George quase deixasse a banda, não passou de um fato corriqueiro em uma sessão de ensaio de qualquer artista. Demonstrou mais a insegurança do guitarrista, que era mais novo que os companheiros e que queria se afirmar como compositor, do que uma animosidade real. A versão do filme “Let It Be” da época tentou mostrar o contrário. Só quem já esteve em uma banda sabe que é normal. Que grupo nunca passou pelo problema da música não estar evoluindo em arranjo quando está sendo executada repetidas vezes sempre da mesma forma por todos integrantes? Paul estava apenas pedindo que fosse decidido o que fazer ou a coisa não sairia do lugar. Com o calendário apertado, novamente o baixista mostrava protagonismo na condução, querendo ser prático, objetivo e desenvolver um processo eficiente.

A composição de “Get Back” e “The Long and Winding Road”

É incrível assistir as  músicas que estão no imaginário coletivo serem compostas na nossa frente. Não tem preço, ainda mais para alguém que gosta de tocar e compor como eu. Ficava torcendo para que Paul achasse os acordes e as palavras: “Vai, Paul! Vai, Paul!”. Queria soprar a dica que “Get Back” devia voltar à primeira nota da harmonia antes de acabar a sequência de compassos, como ela é na versão final! Muito legal! Arrepiante!

A ideia do show na Líbia

O diretor da época, Michael Lindsay-Hogg, estava com a ideia fixa de realizar o show em um anfiteatro em ruínas no litoral da Líbia. É muito engraçado vê-lo tentando convencer todo mundo. Quando Paul diz que Ringo não gostaria de sair do país, o diretor logo mais aparece passando a conversa no baterista. Hilário! Ele não quer desistir da sua ideia genial. Sem dúvida, claro, seria antológico. Mas certamente, se os Beatles tivessem seguido a ideia do diretor, Pink Floyd não teria tocado nas ruínas de Pompeia quatro anos depois. Não seria inovador. E isso me fez lembrar do filme “Yesterday”, que mostra como o mundo seria diferente se os Beatles não tivessem existido. Se você não viu, veja “Yesterday”!

Ringo Starr

Ninguém questiona que o baterista era o mais tranquilo de todos. Se restingia a segurar suas baquetas e a seguir sugestões do Paul sobre como compor levadas e climas. Por outro lado, não significa que não era respeitado. Por três vezes, pelo menos, isso fica bastante claro. A primeira, e principal de todas, é que o projeto tinha prazo para ser finalizado justamente porque Ringo participaria de um filme. A segunda, que já citei acima, é quando Paul diz que é o amigo que não quer sair do país, para dissuadir a todos da ideia de gravar na África. E a terceira e mais legal de todas, é quando os quatro estão conversando sobre a sugestão de se apresentarem no telhado. Paul é contra, Lennon fala, fala, mas não deixa clara sua posição. Harrison diz que é “definitivamente” contra. Mas Ringo diz algo como “eu gostaria muito de tocar no telhado”. Pra mim o filme poderia ter acabado ali! Não haveria nada mais significativo para demonstrar a amizade que tinham, e o valor que davam ao companheiro, do que sublinhar que a palavra final sobre um dos feitos mais icônicos da carreira da banda (além da foto deles atravessando a faixa de segurança na Abbey Road) foi de Ringo Starr.

Os demais elementos

Muito legal ver como a equipe era enxuta, como a banda era simples. O engenheiro de som Glyn Johns se mostrou muito mais produtor do que o próprio George Martin, que pouco se manifesta. Inclusive o técnico deu até palpite no arranjo de “Let It Be”. O privilégio daqueles assistentes que ficavam trazendo chás e torradas é sublime. Mas o destaque maior, o mais simpático e carismático, sem dúvida, era Mal Evans, que demonstrava toda sua alegria em participar, inclusive musicalmente de alguns momentos. Mal era assistente desde a época do Cavern Club, o que demonstra a fidelidade e generosidade que o grupo sempre teve. Infelizmente, Mal faleceu precocemente, em 1976.

Yoko

Peter Jackson preferiu mostrar uma Yoko Ono calada. Ou foi a própria que só assim o permitiu. O que muitos diziam sobre ser a causadora da dissolução do grupo (e os mais entendidos beatlemaníacos não corroboram totalmente com essa versão) não se mostra neste filme. O que vemos é um casal apaixonado, parceiro, a ponto de John fazer questão de mantê-la a seu lado, mais até do acho que deveria, quando se trata de uma banda trabalhando. O núcleo de um grupo é sagrado em momentos como esse.

A rivalidade entre Paul e John

Isso é outra lenda que não aparece. Os dois se mostram bastante amigos. E não há relação animosa que consiga ser disfarçada em 22 dias sob gravação constante de câmeras. Vi em uma entrevista Paul falando sobre o filme. Ele diz que o documentário o fez se lembrar de como se davam bem mesmo, coisa que a mídia e o tempo transcorrido pareciam querer provar o contr´ário para ele mesmo. Claro que pode ser apenas conversa para boi dormir, mas não é o que a “verdade” da película demonstra.

Um material sublime

Como é bom poder ter acesso a um produto dessa dimensão. Geralmente (e é compreensível que seja assim), as escolhas de finalização primam por uma entrega enxuta, objetiva, sintética. Aqui, a imersão das quase oito horas de material nos transporta para a época, nos faz entrar em suas cabeças, viver aqueles dias com eles. É um produto para quem é fã. Não serve para quem está descobrindo a banda, claro.

Parece que Peter Jackson tem outra versão, de cerca de 16 horas, que será lançada em bluray. Nem sabia que isso ainda existia, mas é certo que já comprei.

Cucaverso

Banheiro.

Desodorante em uma mão, tampa na outra, enquanto usava. Um gesto brusco, descuidado, e a tampa escapuliu por entre meus dedos rumo ao chão. Cerca de um metro e vinte rodopiando. Meu primeiro instinto foi o de pegar no ar. Refleti que movimentos bruscos e repentinos costumam trazer consequências à minha lombar.

Deixei pra lá.

Continuava caindo.

Ponderei que, talvez, se me movimentasse com cautela, não haveria problema. Mas já tinha se passado algum tempo e, mesmo com toda habilidade, seria em vão.

Definitivamente, não arriscaria. Quem sabe se deixasse quicar na lajota e agarrasse na volta? Aí, sim, daria! Em trajetória ascendente, certamente era mais fácil e seguro pra coluna.

O chão se aproximava.

Por outro lado, a tampa de formato irregular dificilmente retornaria na mesma trajetória. Se fosse esférica… Mas era conoidal.

Atingiu o piso do banheiro e voltava.

Arquei o braço ao chão. Catei o objeto quicante e espirulitado.

Me senti o Homem-aranha.

A cultura musical do Tik Tok

Volta e meia minha filhas estão cantando músicas antigas, da década de 60, 70, 80…Semana passada foi ABBA, ontem foi George Michael. Só pra citar as mais recentes.

Mas não se trata de um trabalho de pesquisa antropológica e cultural delas. É que algumas canções de décadas passadas viralizam no Tik Tok, sendo trilha sonora de vídeos replicados, trends e sei lá mais como chamam.

Acaba sendo uma ajuda para manter o repertório e o gosto musical das meninas fora da câmara de resistência cultural que é meu carro, onde quem manda no som que toca sou eu.

Mas quem diria, hein? — “Tik Tok”! Dando um forcinha lá em casa…

Outra constatação sobre esse resgate que a plataforma promove, e que enche meu coração de revanchismo, é que as pessoas vão acabar descobrindo de onde vêm as ideias de Bruno Mars pras suas músicas.

Um novo formato de amigo-secreto

Amigo-secreto é sempre um saco. Você tira quem não quer, compra um baita presente que a pessoa não gosta e ganha algo que odeia. A maioria não são matchs, são dismatchs. Então, pensando nesse ódio que destila depois de uma noite ensanguentada por um amigo-secreto, tive uma ideia para inovar o Natal de todas as famílias.

Chama-se chantagem-secreta. O segredo não é o amigo (ou inimigo) mas informação que aquela relação esconde.

Há sorteio prévio, mas serve apenas para definir uma ordem. O primeiro escolhe uma pessoa de quem ele guarda um segredo e anuncia o nome para todos: “Eu sei um segredo sobre o João! Ele será meu chantageado”. E a sequência segue até que todos tenham alguém para chantagear e alguém para o chantageá-lo. A tendência é que os últimos não sejam tão interessantes ou comprometedores, mas os primeiros terão potencial de acabar com casamentos e causar assassinatos misteriosos, na própria noite de Natal.

No dia da revelação, ele começa a falar sobre o que sabe sobre seu dismatch, de forma cifrada, até que o chantageado resolva o calar com o presente. Se o chantageador achar o agrado chinfrim, segue a narrativa até que fique satisfeito com a oferta.

O que acham?

Não? Não tem clima de Natal?